Antes mesmo de chegar ao poder, Bolsonaro e seus apoiadores já haviam declarado guerra contra a arte, os artistas e os profissionais do setor cultural em geral, mas agora a coisa passou mesmo dos limites. Não satisfeito em desmontar tudo, propor nada e celebrar o triunfo do mau gosto em cada detalhe de cada pronunciamento, cada entrevista, cada cena de vulgaridade explícita (ensaiada ou não) a que somos expostos todos os dias desde a posse: Bolsonaro agora nos obriga a sair em defesa de um filme de quinta categoria.
Na terça-feira passada, o governo federal, através do Ministério da Justiça, decretou que a comédia Como se Tornar o Pior Aluno da Escola, uma bomba que estreou em 2017 e chegou agora ao streaming, não poderia mais ser exibida nessas plataformas. O argumento estapafúrdio era de que a trama faria “apologia à pedofilia”. No dia seguinte, o ministério mudou a classificação indicativa do filme de 14 para 18 anos – talvez por se dar conta de que não é possível censurar um filme e respeitar a Constituição ao mesmo tempo.
Nem vale a pena honrar essa pataquada com um debate sobre o conteúdo do filme (que, claro, viu sua audiência disparar nos últimos dias), a inconstitucionalidade da medida ou os riscos para a democracia da banalização da censura de obras de ficção – tenham elas a qualidade que tiverem. A polêmica é tão escancaradamente artificial e se encaixa tão bem nos propósitos de 1) promover políticos interessados em associar seus nomes à defesa dos “bons costumes”, 2) entesar a base bolsonarista e 3) desviar a atenção dos problemas reais do governo, que ninguém deveria perder muito tempo com essa conversa. (A Globo, por exemplo, mandou um senta-lá-cláudia para o Ministério da Justiça e anunciou que não vai tirar o filme de suas plataformas.)
Se a estreia nos cinemas de Como se Tornar o Pior Aluno da Escola passou despercebida em 2017, o cancelamento da exposição QueerMuseu, no mesmo ano, deu muito o que falar. Nunca é demais lembrar que o MBL, na época ainda enamorado pelo capitão, promoveu uma violenta campanha de ameaças contra o público e os artistas usando a mesma acusação falsa de “apologia à pedofilia” como chamariz e espantalho.
De lá para cá, boa parte dos aliados de 2017 brigaram entre si e confesso que fica cada vez mais difícil acompanhar quem apoia quem e qual a última versão do termo “liberdade de expressão” em uso pela galera dos “cidadãos de bem”. O certo é que a guerra cultural, o falso moralismo, a demagogia e toda a artilharia de golpes abaixo da cintura que o gabinete do ódio mobilizou na campanha de 2018 para eleger Bolsonaro já estão em plena marcha rumo à campanha de 2022.