Para dimensionar a importância de Gilberto Braga na teledramaturgia brasileira, basta tentar lembrar o nome de qualquer outro autor de novelas associado à queda de um presidente da República.
Anos Rebeldes (1992) não inventou os caras-pintadas nem os protestos contra o governo Fernando Collor, que acabaram culminando no impeachment, mas era ao som de Alegria, Alegria, música da abertura da minissérie, que os estudantes do início dos anos 1990 protestavam, talvez inspirados pelo que estavam assistindo na TV naquele momento. Em horário nobre e com elenco global, Anos Rebeldes levou para a sala de jantar da família brasileira referências à tortura e outras delicadezas impostas ao país, alguns anos antes, pela ditadura militar – e nem as profecias mais sombrias feitas naquela época teriam sido capazes de prever o tipo de gente que estaria no poder 30 anos depois.
Gilberto Braga, que completaria 76 anos hoje, lançou moda (Dancin’ Days), ilustrou a Lei de Gerson (Vale Tudo) e criou alguns dos melhores mocinhos e vilões da televisão brasileira. Durante décadas, os espectadores vibravam quando viam seu nome nos créditos: sua assinatura era uma espécie de chancela de qualidade, mesmo em uma plataforma com uma margem tão estreita para o exercício de uma marca autoral.
Além de tudo aquilo que, com justiça, vem sendo lembrado nos últimos dias, merece destaque o papel de Gilberto Braga na adaptação de livros para a televisão. Depois de estrear na Globo, em 1972, com um Caso Especial baseado no romance Dama das Camélias, do francês Alexandre Dumas Filho, o autor enfileirou adaptações de clássicos da literatura brasileira. Isso porque, entre 1975 e 1982 (ou seja, no auge da minha fissura por telenovelas), o horário das seis era reservado para adaptações literárias.
A estreia de Gilberto Braga nessa faixa foi com Helena (1975), baseada em Machado de Assis, seguida alguns meses depois por Senhora (1975), sobre o romance de José de Alencar. No ano seguinte, Gilberto Braga emplacou um dos maiores sucessos da emissora: Escrava Isaura (1976), versão do romance de Bernardo Guimarães. Depois vieram Dona Xepa (1977) e Lua Cheia de Amor (1990), ambas baseadas na peça de Pedro Bloch, e Força de um Desejo (1999), folhetim de época inspirado em três romances do Visconde de Taunay. No meu ranking particular, a melhor adaptação literária com sua assinatura não é uma novela, mas a minissérie Primo Basílio (1988), baseada no romance de Eça de Queiroz.
Escrevendo no Brasil, Gilberto Braga pode ter sido a única ponte entre espectadores e livros que eles nunca tiveram a chance (ou a vontade) de ler. Em um país que lê tão pouco e em que uma escrava branca que toca piano e fala francês é a representação mais conhecida da escravidão, não é pouca coisa.