Qual foi a última vez em que o prezado leitor, ou leitora, parou para ouvir um disco? Ouvir mesmo, do começo ao fim, sem intervalos ou distrações?
A experiência de escutar música mudou tantas vezes nos últimos anos que diferentes espécies de ouvintes convivem hoje no mesmo habitat e tempo histórico. Tem quem ainda ouve música no rádio de pilha – e quem nem sabe que trem é esse. Há os que assinam serviços de streaming, os que preferem o YouTube e os que continuam comprando vinil ou CD, mas, pasmem, alguns nem sequer rompem a embalagem: para esses, o disco deixou de ser uma mídia e hoje cumpre a função de relíquia – como um pôster ou uma camiseta. Há, claro, os que continuam escutando discos à moda tradicional, com tempo e dedicação aos detalhes, mas os que ouvem apenas o comecinho das faixas, sem paciência para ir até o fim de uma música ou de um álbum, também estão aí.
Quem se habituou ao streaming, como eu, vive sintonizado numa rádio customizada em que todas as épocas e gêneros se misturam. Em segundos, localizo as músicas que tocavam no rádio quando eu era criança, as que embalaram minhas fossas, as que me levantaram o astral, as que me revelaram a poesia das coisas. Enquanto isso, o algoritmo vai trabalhando pra mim, aprendendo meus gostos e selecionando novidades. Diante dessa oferta virtualmente ilimitada de opções, a trilha sonora encapsulada em playlists parece se adaptar ao estado de espírito ou atividade: música para trabalhar, para caminhar, para sentir saudade... Esse hábito acaba colocando em segundo plano a experiência única de absorver o que um artista tem a nos dizer quando nos dedicamos a escutá-lo com toda a atenção – como no tempo em que comprar um disco novo era um grande acontecimento.
Pensei nisso ouvindo (no streaming) o comovente álbum de músicas inéditas de Aldir Blanc lançado há algumas semanas. Aldir Blanc pode ser irônico, lírico, melancólico, contundente e cada uma dessas facetas está presente no disco póstumo, que reúne alguns dos seus principais parceiros. Somos todos herdeiros desse testamento musical sublime, mas é preciso ouvir o disco do começo ao fim, com calma, para usufruir desse tesouro. Pra mim, a chave do cofre está escondida na música mais bonita do disco, Provavelmente em Búzios: “Contra o mundo e contra o tempo / Tenho a música e o verso / Cada história que acabar / Eu viro a folha e recomeço”.