“Um mundo cheio de pessoas ignorantes é um lugar perigoso demais para se viver.” A frase é do delicioso Nascida Ontem (1950), de George Cukor, que eu assisti agora com uns 70 anos de atraso, e soa especialmente atual em 2021 – o ano em que a ignorância tomou a forma de negacionismo e a desinformação tornou-se um negócio lucrativo.
O filme conta a história de uma prototípica loira-burra, Billie Dawn, interpretada pela talentosa – e nada burra – Judy Holliday, que ganhou o Oscar daquele ano disputando a estatueta com Anne Baxter e Bette Davis (A Malvada) e Gloria Swanson (Crepúsculo dos Deuses). Ex-corista, Billie é amante de um magnata inescrupuloso e arrogante, acostumado a falar grosso e a ser paparicado. Constrangido com as constantes gafes da namorada – mas nunca com as próprias, evidentemente – o ricaço decide contratar um jornalista que cobre política em Washington, Paul Verrall (William Holden), para dar um lustro na falta de modos da moça.
Sim, Paul e Billie acabam se apaixonando, mas, antes do previsível final romântico e em meio às muitas situações cômicas em que os personagens se envolvem, o filme também fala sobre assuntos sérios. Como muitos títulos que o cinema americano produziu nas décadas de 1940 e 1950, Nascida Ontem é uma trama moral. Nesse tipo de filme, não se trata apenas de contar uma boa história, dramática ou divertida, mas de reforçar determinados valores que a sociedade americana considera importantes – nesse caso, educação e cultura. Lendo, indo a museus e teatros e estudando um pouco de História, Billie logo se dá conta de que o mundo é muito maior e mais interessante do que a gaiola de ouro em que estava trancada. Sem ler Francis Bacon, entende, na prática, o que o filósofo inglês do século 16 quis dizer com a frase “conhecimento é poder”.
Outro valor celebrado no filme, como não poderia deixar de ser, é a democracia americana. Quando a mocinha percebe que o amante está acostumado a comprar o apoio de políticos corruptos em Washington, Billie une-se ao novo namorado para desmontar o esquema. A democracia, diz um dos personagens a certa altura, é um sistema quase perfeito, mas sempre aparece um espertalhão (ou muitos) tentando tirar proveito de suas falhas. Se o sistema funciona bem, os erros são corrigidos. Mas se os espertalhões são a maioria, já não é mais democracia – pelo menos nos filmes americanos dos anos 1950.