Em 2020, qualquer um pode comprometer a própria reputação agindo como um tio (ou tia) do zap. Ninguém, nem mesmo um artista famoso, está livre do risco de se transformar nesse personagem folclórico, muitas vezes ingênuo e até bem-intencionado, que acredita em qualquer conteúdo de procedência duvidosa que recebe e ajuda a espalhar mentiras pelas redes sociais.
Na semana passada, a mulher que já foi a cantora mais famosa e influente do mundo ingressou, “like a virgin”, na categoria dos tios do zap. Madonna compartilhou com seus 15 milhões de seguidores um vídeo de Stella Immanuel, uma médica que acredita em aliens, espíritos do mal e, claro, nos milagres da cloroquina. O post foi marcado como “informação falsa” pelo Instagram e logo em seguida foi deletado pela própria plataforma. A biografia de Madonna e a nostalgia dos fãs podiam ficar sem essa.
Não há, no Brasil, um jornal com 15 milhões de leitores diários. Isso dá uma ideia da responsabilidade concentrada nas pontas dos dedos de uma celebridade como Madonna. Quando uma informação falsa envolve, como neste caso, saúde pública, o que está em jogo não é apenas a imagem de quem compartilhou o conteúdo ou sua liberdade para se expressar, mas a vida de outras pessoas. Se a liberdade de expressão é um valor pelo qual vale a pena lutar, o interesse público não é menos importante. Assim como não posso exercer minha liberdade de ir e vir ultrapassando o sinal vermelho, não posso compartilhar conteúdos que ameaçam o bem-estar da sociedade sem ser cobrada, de alguma forma, pela minha irresponsabilidade.
Redes sociais são uma forma de comunicação de massa que ninguém sabe exatamente como regular sem se aproximar perigosamente da censura. Madonna, em seu dia de “tia do zap”, encontrou uma barreira: o filtro do Instagram que combate informações falsas. Mas quantas vezes vídeos igualmente enganosos circulam no WhatsApp, por exemplo, sem que ninguém possa conter o estrago? Iniciativas das próprias plataformas ou mesmo da Justiça para combater as fake news ainda são incapazes de conter ataques covardes como o que o youtuber Felipe Neto sofreu na semana passada. Trata-se de uma nova modalidade de delinquência financiada por dinheiro que não se sabe de onde vem e ampliada por usuários manipulados de forma a passar a mentira adiante sem refletir. Tias e tios do zap menos famosos do que a Madonna, mas igualmente imprudentes, trabalhando de graça para bandidos que sabem muito bem o que (e por que) estão fazendo.