Em setembro, ficamos sabendo que o ex-procurador da República Rodrigo Janot entrou armado em uma sessão no STF com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes. “Só não houve o gesto extremo porque, no instante decisivo, a mão invisível do bom senso tocou meu ombro e disse: não”, narrou, à la Glória Magadan, em seu recém-lançado livro de memórias.
Na semana passada, durante uma discussão em um programa de rádio, o jornalista Augusto Nunes deu um soco no colega Glenn Greenwald. Algumas horas depois, Nunes lançou uma nota lamentando o episódio e justificando a agressão: “Não resisti ao que me sugeriam a voz dos instintos e a honra ferida”.
Quem alega que está defendendo a própria honra está obedecendo a um código de conduta e não a um princípio
Além do estilo folhetinesco, Rodrigo Janot e Augusto Nunes parecem compartilhar a noção de que um homem, levado ao seu limite, pode sacar a honra como justificativa razoável para atitudes extremas. Não estão sozinhos, infelizmente. Honra é uma virtude muito flexível e pode justificar tanto os gestos mais nobres quanto as piores atrocidades. Quem alega que está defendendo a própria honra está na verdade obedecendo a um determinado código de conduta aceito pelo grupo a que pertence (por exemplo: estou autorizado a agredir, ou mesmo matar, o homem que me ofende ou a mulher que me trai) e não a um princípio geral (não matar ou não apelar para agressões físicas durante uma discussão).
A Justiça é o princípio geral que nos protege e possibilita a convivência. Se me sinto ofendida pela atitude de uma vizinha, busco amparo legal em vez de buscar o rolo de massa no armário da cozinha. Quando a honra fala mais alto do que a lei, os princípios ficam para trás e as regras já não são as mesmas para todos (a honra dos homens, por exemplo, costuma estar associada à coragem, enquanto a das mulheres, à castidade).
O que choca nesses dois episódios não é a capitulação a uma moral primitiva, tristemente comum no Brasil, mas os paradoxos levantados pela formação profissional dos envolvidos: um procurador que não acredita na lei, um jornalista que não acredita no equilíbrio.