Os minutos finais do último episódio de "Mad Men" (2007 – 2015) sugerem que a trilha sonora de uma revolução nem sempre é um hino ou uma canção de protesto: às vezes, a música que anuncia que determinada forma de pensar e sentir já foi (ou está sendo) assimilada é um jingle publicitário. (Contém spoiler: ambientada nos anos 1960, a série termina com a exibição do antológico comercial da Coca-Cola que, em 1971, engarrafou o espírito libertário da década anterior para consumo do grande público.)
Neste junho de 2019, se ainda estivesse na ativa, Don Draper (Jon Hamm) com certeza andaria espalhando bandeirinhas de arco-íris pelas marcas dos clientes. Nas últimas semanas, o mercado publicitário norte-americano tornou-se monotematicamente multicolorido em homenagem ao mês do orgulho LGBT+. A data faz referência aos protestos de 28 de junho de 1969 que se tornaram uma espécie de marco zero do movimento. Naquela noite, em um bar chamado Stonewall Inn, em Greenwich Village, a comunidade gay de Nova York decidiu dar um basta nas frequentes batidas da polícia e passou a exigir o direito de se divertir (e amar) em paz. Nunca mais pararam.
Em 1969, 74% da população mundial ainda vivia em países que criminalizavam de alguma forma as relações consensuais entre casais do mesmo sexo. Em 2019, essa proporção desabou para cerca de 23%. Na sociedade americana, a mudança cultural que se estabeleceu ao longo dos últimos 50 anos se traduz em pragmatismo comercial. De grandes redes de supermercados a enxaguantes bucais, de finas lojas de departamentos a marcas de vodca, todo mundo embarcou na onda do arco-íris. Por um lado, trata-se de um sinal claro de que os valores da sociedade mudaram (a própria polícia de Nova York decidiu pedir desculpas, no início do mês, pelos erros de 50 anos atrás). Por outro, há críticas de que algumas empresas estão buscando lucrar em cima de uma causa que nunca verdadeiramente apoiaram.
Por aqui, em 2015, O Boticário sofreu ameaças de boicote quando incluiu dois casais homossexuais em uma propaganda de Dia dos Namorados. De lá para cá, as campanhas publicitárias com casais do mesmo sexo só aumentaram no Brasil – e está ficando cada vez mais difícil boicotar tanta gente. Este ano, entre outras marcas, Lojas Americanas, Hering, C&A, Riachuelo e O Boticário produziram campanhas inclusivas para a data.
O que as campanhas publicitárias não mostram em horário nobre é a cara feia da violência contra homossexuais e transexuais no Brasil. Na semana passada, o STF decidiu que atos de homofobia e transfobia devem ser enquadrados no crime de racismo. A decisão, que tornou o Brasil o 43. país a criminalizar a homofobia, cria um obstáculo a mais para o preconceito, mas não deve resolver o problema da violência tão cedo. Ainda assim, é um passo importante em direção à consolidação da mudança cultural que começou a ganhar corpo naquela noite de 1969 em que alguém que estava sendo preso lançou um apelo para os que estavam observando a violência da polícia em silêncio: "E vocês aí, não vão fazer nada?". Fizeram. Continuam fazendo.