Assisti ao filme Z em alguma matinê do Bristol nos anos 1980 – quando a democracia no Brasil, assim como a da Grécia do filme, não era assim um modelo a toda Terra.
Não lembro muita coisa daquela sessão, a não ser o fato de que foi, sim, no Cine Bristol (onde meninos e meninas de 18 anos daquela época, graças a programadores como Tuio Becker e Romeu Grimaldi, aprendiam que o cinema não havia começado com Spielberg nem com Guerra nas Estrelas) e da vaga sensação de que o sentido de boa parte da história havia me escapado. Por culpa minha, não do filme.
O que explica esse aparente desinteresse dos jovens pelos clássicos em uma época em que seria tão importante refletir sobre o passado?
O bom de ter uma memória flutuante e inconfiável é que pude rever o filme agora com a inocência da estreia – mais o bônus de que a cópia exibida em uma única sessão, dias atrás, dentro do Festival Varilux, estava estalando de nova. A obra-prima do diretor Costa-Gavras completa 50 anos em 2019, mas, tirando o figurino, nada ficou datado nessa história baseada no livro do escritor grego Vassilis Vassilikos, sobre o assassinato do deputado e líder pacifista Gregorios Lambrakis, em 1963. O deputado foi atingido por uma camionete, na saída de um comício, no que deveria parecer um acidente. A investigação do crime trouxe à tona uma extensa rede de corrupção e ilegalidades, que desaguariam no golpe militar de 1967 e em sete anos de ditadura.
O filme conta a história do assassinato e da investigação sem dar tempo de o espectador parar para respirar. Mas, quando a gente finalmente para e respira, percebe naquele ambiente tóxico da Grécia dos anos 1960 alguns elementos que lembram o que temos visto no Brasil de 2018. Violência, polarização, manipulação da insatisfação popular, corrupção e um certo fascínio pelas soluções fáceis oferecidas por líderes não muito entusiasmados com o sistema político inventado na Grécia há 25 séculos. E, no meio de toda essa tensão, muitas pessoas ainda tentando fazer seu trabalho da melhor forma possível, movidas pela convicção de que qualquer esforço para aperfeiçoar a democracia sempre vale a pena – simplesmente porque não inventaram nenhum sistema melhor do que aquele batizado pelos próprios gregos de "governo do povo".
O que me chamou a atenção, nesta sessão única de Z em Porto Alegre, foi o fato de a plateia ser formada basicamente por pessoas que tinham idade para ter assistido ao filme 30 anos atrás, como eu, ou mesmo antes. Onde foram parar os jovens cinéfilos, como aqueles que aproveitavam qualquer oportunidade para ver um clássico no Bristol? Na Netflix é que eles não estão, porque são poucos os títulos clássicos disponíveis. E mesmo quem baixa filmes no computador ou garimpa DVDs não terá a mesma experiência da tela grande. O que explica esse aparente desinteresse dos jovens pelos clássicos em uma época em que seria tão importante refletir sobre o passado?
Estou perguntando porque não sei a resposta, mas tenho uma forte suspeita de que o "excesso de presente" tem levado gente mais nova a rejeitar, consciente ou inconscientemente, filmes, livros e artistas de outras épocas. Como que soterrados pelo aluvião de informações e mensagens que pedem atenção aqui e agora, estão abrindo mão de ler os sinais que a História não para de mandar lá do passado.
O que talvez explique muita coisa que está acontecendo agora.