O que você faria, fora da lei, se tivesse certeza de que nunca seria punido? Muitos se regalariam no trânsito, convencidos de que dirigir depois de beber um pouco, ultrapassar o sinal ou estacionar em um lugar proibido não são infrações tão graves assim. Outros talvez se permitissem furtar um objeto de uma loja, argumentando para si mesmos que um pequeno furto é uma gota d’água no oceano de lucros de algum empresário abastado. Uma minoria, imagino, cometeria crimes mais sérios, mas mesmo esses, não sendo psicopatas, tratariam de encontrar alguma justificação íntima que tornasse a falta menos grave.
Para nossa sorte, a lei está aí para nos poupar o trabalho de decidirmos, por nós mesmos, o que é certo ou errado, o que obviamente não impede que muitos optem por burlá-la – seja pela certeza da impunidade, seja porque as vantagens do crime parecem compensar o risco de uma eventual punição.
Mas e se você fosse colocado diante de uma situação em que o que é legal não é necessariamente moral ou justo? Esse é o centro da polêmica na qual o juiz Marcelo Bretas se envolveu nos últimos dias. Casado com uma juíza que já recebe o benefício, o juiz responsável pela Lava-Jato no Rio de Janeiro entrou com uma ação para garantir um segundo auxílio-moradia, depois que o ministro Luiz Fux, do STF, liberou o pagamento do benefício para todos os juízes do país, em 2014.
Poucos consideram aceitável que dois juízes acumulem um benefício que, em dose única, já parece descabido – muitos dos magistrados que recebem o auxílio sempre moraram na cidade onde trabalham e possuem imóveis próprios. Mas mais difícil do que descobrir um contribuinte satisfeito por estar destinando parte dos seus impostos para engordar a folha de pagamento da elite do funcionalismo talvez seja lotar um estádio com todos os brasileiros dispostos a abrir mão de privilégios legais – ainda que moralmente indefensáveis – se tivessem a oportunidade.
O ex-governador Sérgio Cabral, preso pela Lava-Jato, e o juiz Marcelo Bretas, que o colocou na cadeia, ilustram duas faces de um mesmo cacoete nacional. O primeiro lambuzou-se na calda doce da corrupção – talvez convencido de que apenas estava sendo um pouco mais esperto do que os colegas ao extrair vantagens pessoais do jogo político como poucos antes dele. O segundo foi à Justiça buscar um direito – talvez convencido de que estaria sendo bobo se abrisse mão de mais um penduricalho legal nos vencimentos da família. Ambos são produtos de uma cultura que tolera tudo, menos a falta de esperteza.
A moral é sempre afetada pelo ponto de vista. Não é fácil fazermos julgamentos morais isentos quando nossos próprios interesses e emoções estão envolvidos. Ainda assim, uma ação não é moral se não leva em conta os efeitos sobre as outras pessoas, se não se coloca sob o escrutínio da perspectiva dos outros interesses envolvidos – como o dos contribuintes, por exemplo. Muitos filósofos chegaram a uma mesma formulação simples e eficaz: na dúvida, não faça nada que você não gostaria que virasse uma regra universal – inclusive quando a lei está ao seu lado.