A ministra Cármen Lúcia Rocha, 61 anos, foi a primeira mulher a usar calças compridas no Supremo Tribunal Federal, em 2007. Ellen Gracie Northfleet, 68, que se tornou a primeira mulher a integrar o STF, em 2000 - 110 anos depois da criação do tribunal -, nunca entrou de calças no plenário.
Nesse debate, como em outros desse tipo, há um valor de face - a calça, proibida na Corte até 2000 - e um subtexto - a histórica sub-representação feminina no Judiciário. Tenho uma filha de 17 anos que, na segunda-feira, começa o curso de Direito na UFRGS. Gosto de imaginar que, quando ela tiver a idade da ministra, o STF terá mais mulheres. Se isso acontecer, terá sido graças a desbravadoras como Ellen Gracie, Cármen Lúcia, Rosa Weber e, por aqui, Maria Berenice Dias - que, anos antes de contrariar o senso comum ao tornar-se a primeira desembargadora do Estado, havia se rebelado contra o comprimento das saias das normalistas no Instituto de Educação.
Cada nova geração de mulheres escolhe suas causas e avança um pouco mais na luta pela igualdade. E isso não acontece sem alguma desobediência às convenções vigentes. A chegada de Ellen Gracie ao STF foi uma grande conquista, mas foi preciso uma mulher um pouco mais nova para que a calça comprida também chegasse lá. E assim, pouco a pouco, o que um dia foi natural vai se tornando ultrapassado e anacrônico. Como o espartilho e a proibição do voto.
O shortinho das meninas, como a calça das magistradas, é a face visível de uma discussão mais profunda. A campanha "vai ter shortinho sim", das alunas do Anchieta, não é apenas uma atualização da velha briga sobre o comprimento das saias. Também não é um debate sobre o uso ou não de uniforme. O que está em discussão é o direito das alunas de questionarem não um uniforme, que não existe, mas o tratamento diferenciado dado a meninos e meninas em um contexto de suposta liberdade de escolhas, onde valem "combinações" e não regulamentos. Uma vez que as escolas permitem que os alunos escolham suas roupas - e as escolhas mais comuns são bermudas de praia e chinelos de dedo para eles e shortinhos para elas -, o rigor (ou falta de) deveria ser o mesmo para ambos os sexos. Não é o que acontece: meninos vão para a escola com cuecas aparecendo e havaianas, sem muitas cobranças sobre a adequação do figurino às convenções do ambiente - enquanto meninas ainda são convidadas a aprender matemática contando os centímetros dos shorts.
Em um país com taxas pornográficas de violência contra a mulher, as escolas fariam um grande serviço à civilização se, em vez de se preocuparem com as roupas que as meninas preferem, ajudassem os meninos a entender, desde cedo, que devem respeitar o sexo oposto independentemente do figurino.