Eu criei a expressão Procon do Amor, em que defendia o direito do consumidor nos relacionamentos, para evitar fraudes, ghosting e propagandas enganosas.
Mas jamais cogitei que alguém levaria a ideia ao pé da letra.
Um morador de Porto Alegre resolveu procurar o Procon porque não arranjou encontros no aplicativo de relacionamento Tinder, mesmo pagando por quatro anos para ter o perfil impulsionado.
Não é um meme, mas um caso real. A reclamação foi registrada em outubro via internet. O prazo para a resposta da plataforma vence nesta quinta-feira (7).
Na ocorrência, o usuário culpa o aplicativo por não conseguir namorar, por se manter sozinho, sem ninguém ao lado para dividir as noites e o sofá.
Como é do senso comum, o Tinder é gratuito, mas qualquer um tem direito a obter um pacote e desfrutar de certos privilégios invisíveis, como poder enxergar os likes em seu perfil e se antecipar nas escolhas.
São recursos adicionais adquiridos por mensalidade, além do Match (quando duas pessoas se gostam e abre-se a possibilidade pública de começar a conversar).
O requerente sentimental não aceitou bancar o perfil por quatro anos sem nenhum resultado prático. Ele se viu profundamente prejudicado, e parece que pede indenização por danos morais.
O que talvez ele não tenha compreendido — e que gerou essa bizarrice tecnológica — é que a plataforma não resolve a sua condição de solteiro, não promove casamento. Ela apenas ajuda facilitando contatos, sugerindo nomes e temperamentos a partir dos perfis escritos e dos álbuns de fotos.
Até os cupidos têm limites. Não existe como terceirizar o coração, repassar a responsabilidade inteira ao algoritmo de um sistema.
Para funcionar, depende sempre da disponibilidade, da curiosidade, da vontade e da ação dos participantes.
Chama atenção o estratosférico nível de exigência do sujeito, que não deu chance a nenhuma oportunidade afetiva durante longo período. Nem um café, nem um passeio, nem um chope num bar. É como se pretendesse realizar uma fantasia, desprovida dos contratempos e dos defeitos da vida prática.
Ele não tentou nada de diferente, não se aventurou a padrões distintos de seu desejo, não experimentou situações novas e biografias capazes de destoar dos seus pré-requisitos.
Soa como obsessão. Ansiava que fosse do seu jeito, e só do seu jeito.
Trata-se de uma inércia muito próxima da intransigência.
Seguir uma idealização nos bloqueia. O que ele estava querendo: uma boneca, uma Susie, uma Barbie?
Amar é uma construção, não um passe de mágica. Toda intimidade é formada pouco a pouco, da abertura ao diálogo e da corajosa vulnerabilidade.
Suspeito que reine nele um orgulho blindado, a ponto de processar o Tinder pela sua ausência de iniciativa.
Antes que o episódio vire uma epidemia de protestos semelhantes, é bom mostrar um naco de humildade e raciocinar: será que ninguém presta? Ou sou eu que ando seletivo demais, ao extremo de me isolar da humanidade?