Temos uma tradição para entender a felicidade como grito, como euforia, como algazarra.
Mas eu vejo cada vez mais que a felicidade de um casal está em falar baixo.
Um casal é feliz quando não precisa gritar, não precisa explodir, não precisa extravasar.
Não estou sugerindo, de modo nenhum, que o casamento necessite ser sussurrado, ditado por uma voz monótona, em tom de hospital ou biblioteca.
Não me interessam os extremos: nem a censura, nem a catarse.
A percepção é simples e lógica: gritar é uma prova de desrespeito.
Em relacionamentos tóxicos, relacionamentos doentios, relacionamentos dependentes, é possível identificar um traço em comum: o volume da voz elevado.
O agressivo ou reativo não consegue falar senão gritando. É porque fala dando ordens, fala exigindo, fala cobrando, fala reclamando, fala colocando defeito em tudo.
O grito não deve ser tomado como uma manifestação da espontaneidade. Ou como uma consequência natural da liberdade, da intensidade, da autenticidade.
Trata-se tão somente de um atalho à grosseria.
Por mais que o cônjuge justifique que se expressa assim, por mais que seja uma herança familiar, merece reeducação. É um vício a ser combatido na linguagem.
Todo romance perigoso já começa com o timbre nas alturas. Seu par não é capaz de falar normalmente porque quer mais do que você pode dar. Executa o projeto de mostrar a sua insuficiência, atestar a sua incompetência, exercer domínio e controle, e realiza terrorismo psicológico abafando ou sufocando suas respostas. É inútil se explicar debaixo da tempestade dos berros.
Quando o ambiente é gritado, emerge um cansaço da comunicação. Qualquer um se perceberá exausto na convivência, angustiado, com a redução substancial do otimismo e da esperança.
O próximo passo é evitar conversas. O próximo passo é adquirir ranço de ouvir. O próximo passo é não mais confiar, na decadência da intimidade.
Se o dia a dia é gritado, não existe encontro, não existe paciência, não existe olho no olho, não existe paz, não existe harmonia, não existe reconhecimento da autonomia, não existe como não discutir sempre.
Significa que você não vem recebendo espaço para pensar com as suas próprias ideias. Experimenta um clima infindável de submissão e arrasto. Quase um ultimato: calar-se e obedecer, desistir de se opor e de divergir. Afinal, o atrito cria uma indisposição para o exercício da franqueza.
Atmosfera permanente de grito é território fértil de suspeita e acusação. Qual o motivo de gritar senão o de mandar?
A outra pessoa não escuta o que você diz. A outra pessoa não guarda o que você diz. Ou porque escutou errado, ou porque registrou a mensagem pela metade.
A pressa faz com que o diálogo seja abrupto e violento. A pressa elimina as delicadezas da vida, a gentileza, a igualdade.
Você nunca será prioridade de alguém que tem pressa, de alguém que grita.