Porto Alegre é uma cidade de paradoxos.
Em pesquisa da Sociedade Brasileira de Urologia e da Bayer de julho deste ano, a capital gaúcha desponta como a mais infiel entre oito metrópoles brasileiras, analisadas com foco exclusivo no público masculino.
98% dos entrevistados confessaram a traição ao longo da relação. Em segundo lugar, está Recife, com 67% dos marmanjos admitindo ter trapaceado suas companheiras. Já São Paulo, no extremo oposto, destacou-se como a capital com os homens mais ordeiros do país, registrando só 20% de casinhos com amantes.
Se a pulada de cerca possui assustadora frequência em Porto Alegre, em contrapartida, a infidelidade financeira não é comum. Estudo deste mês da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) dissecou o orçamento doméstico dos pares porto-alegrenses e descobriu que a ampla maioria não esconde seus ganhos e gastos.
Não é praxe camuflar despesas do cartão de crédito para o cônjuge, ou disfarçar as sacolas ao chegar em casa, ou ter surpresas desagradáveis na hora de quitar os boletos.
Os dados revelam que 68% não ocultam as compras do outro, 76,6% não distorcem os valores gastos, 85,6% não usam dinheiro para um fim desconhecido pelo seu parceiro, 83,8% não omitem fontes inesperadas de renda, honorários, participação nos lucros e bônus do trabalho.
Constatou-se que 55% dos entrevistados têm o costume de discutir regularmente sobre finanças e tomar decisões conjuntas, ao passo que 31,1% realizam isso ocasionalmente, definindo apenas algumas questões a dois.
Em minha percepção, o que mais acontece é o gastador ser freado pelo poupador. É tendência a atração dos contrários, a formação de um lar entre o perdulário e o avarento. Há aquele que se lança fervorosamente ao consumo e aquele que fecha a mão.
O que me deixa perplexo é a desenvoltura prática para a divisão das contas em contraste com a dificuldade para a monogamia.
O comportamento se mostra perigosamente ambíguo, numa honestidade do sustento e numa dissimulação de parceria.
Ou seja, ocorre a transparência do caixa, mas não da cama. Nota-se a franqueza dos salários no meio de envolvimentos extraconjugais secretos.
Até porque a confissão se deu para o pesquisador, jamais para a parte interessada. O anonimato diz a verdade.
Trata-se de cultivar uma existência pela metade, uma via paralela, em que não há nenhuma vergonha para expor excessos pecuniários, enquanto vigora o tabu da conduta sexual.
Talvez emane daí uma incompetência para se separar diante do patrimônio do casamento, um receio de começar tudo de novo. Ou um temor de se abrir, sabendo que o sincericídio desembocaria no divórcio certo e líquido. Ou mesmo um gesto egoísta em prol da comodidade e segurança, para evitar o desmembramento da família, antecipando o possível afastamento e saudade dos filhos numa guarda compartilhada.
As duas enquetes, lado a lado, são contraditórias. Porque a infidelidade permanece sendo um caixa dois: você gasta com alguém fora do casamento. E, pelo jeito, isso não aparece na fatura.