Eu já tinha antecipado em minha coluna o alto índice de abstenção que obteríamos nas eleições de Porto Alegre, por vários efeitos colaterais pós-enchente: Trensurb sem as estações da capital, aeroporto ainda fechado, afora o trauma desanimador de ter sobrevivido ao maior desastre ambiental da história gaúcha.
E o prognóstico se confirmou: Porto Alegre é a capital brasileira com o maior número de abstenções no primeiro turno das eleições municipais de 2024.
Do total de eleitores aptos a votar no município, 31,51% preferiram não ir às urnas no domingo (6), conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O número de abstenções — 345.544 — chega a ser superior ao de votos registrados para Sebastião Melo — 345.420—, que liderou a disputa ao Executivo em busca da reeleição.
Isso aponta para uma população adormecida que poderia mudar drasticamente o cenário. Talvez Melo contasse com gordura de sobra para sacramentar a vitória no primeiro turno, já que não conseguiu atingir a meta por míseros 0,28%. Ou talvez o páreo tivesse sido outro. Não sabemos.
Em 2020, havia a justificativa da pandemia. Em 2024, o pretexto foi a nossa pior cheia.
Mesmo não superando o recorde de 2020 — 358.217 abstenções (33,08%) —, consolidamos um padrão de comportamento negativo no decorrer dos últimos pleitos.
É uma alienação que está aumentando desde 2016, ano em que 277.521 pessoas não compareceram à votação (25,26%).
Percebe-se uma escalada de deserção um tanto significativa, que merece uma pausa para nossa reflexão.
Por que um povo reconhecido pela sua consciência crítica, altamente politizado, que sempre se destacou pelo pioneirismo de movimentos sociais, tradicionalmente um reduto de grandes lideranças nacionais, agora se mostra inadimplente nas urnas?
Por que o atual berço da inovação, que vem abrigando o South Summit Brazil, encontro global que acontece nos armazéns do Cais Mauá, desligou-se de qualquer representatividade?
O que motiva os moradores a virar as costas para quem ocupará o Paço?
O que faz 1/3 de uma cidade abdicar do direito de decidir o seu destino?
São sete Beira-Rios lotados, sete Arenas lotadas.
Existe o enfraquecimento da esfera democrática. O governo passa a ser de poucos para poucos.
Fica cada vez mais claro e evidente um desencanto político nas ruas, uma descrença nas soluções administrativas, uma falta de engajamento comunitário como nunca antes.
Se somarmos as abstenções aos nulos — 3,33% (25.012 votos) — e aos brancos — 4,18% (31.379 votos) —, teremos um contingente de 36.65%, totalizando 401.935 eleitores sem candidato.
No segundo turno, além das campanhas de Sebastião Melo (MDB) e de Maria do Rosário (PT), será necessário encampar uma mobilização para uma maior presença eleitoral. Algo como “acorda, Rio Grande!”.