Na minha infância, havia duas figuras incensadas, reverenciadas: o professor e o médico.
O doutor ou a doutora e o “profi” ou a “profi” eram vistos como mensageiros do cuidado. Você dependia deles para ser alguém na vida.
No interior do estado — nasci em Caxias do Sul —, representavam as maiores autoridades do município, junto com o prefeito, o padre, o juiz e o promotor de Justiça.
Você sabia o nome, o sobrenome, onde moravam, quem fazia parte de suas famílias.
A tradição vem sendo destruída, num descrédito crescente aos formadores de nossa personalidade.
Nem os espaços de acolhimento, como hospitais e escolas, são sagrados.
O desmantelamento dos lares produz ecos de terror na sociedade. Pois o reconhecimento desses profissionais decorre do berço. Sequer os pais são respeitados, o que sobra para os médicos e professores?
Eles amargam uma situação de constante insalubridade. Correm o risco de ser agredidos no exercício de suas funções.
A cada dia, nove médicos são vítimas de violência em estabelecimentos de saúde no Brasil, de acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM). A média foi calculada pela entidade a partir de um levantamento que considerou cerca de 38 mil boletins de ocorrência feitos entre 2013 e 2024 nas polícias civis do país.
Ou seja, o médico arca com problemas estruturais da rede de saúde, como longas filas, escassez de aparelhos e de leitos. Termina sendo o pivô das reclamações, já que se encontra na linha de frente, no contato direto com os pacientes. As grosserias e acusações atingem também os enfermeiros e o corpo de funcionários. Quem se mostra disponível sofre represálias.
Da mesma forma, uma pesquisa da Nova Escola e do Instituto Ame Sua Mente apontou que oito a cada dez professores passaram por violência no ambiente escolar em 2023, num aumento de 20% deste índice em relação a 2022.
Gritos e ofensas à sua figura surgem como os atos mais frequentes, constituindo 76,1% das incidências, seguidos de ameaças de ordem psicológica e moral, com 41,5%.
Vigora a banalização da boçalidade. Seis a cada dez professores temem virar as costas à classe para escrever na lousa, com receio de receber maus-tratos. Trabalham sob o signo do pânico. A sala de aula tornou-se um lugar vulnerável de confinamento, sem saída, sem o resguardo da integridade física.
As grades e muros protegem a instituição da rua, mas nada protege os professores dentro da própria instituição.
Se antes as famílias apoiavam a escola nos casos de indisciplina dos alunos, e já providenciavam castigo em casa, hoje ocorre uma inversão da confiança: as famílias colaboram para a impunidade e contestam o posicionamento da escola, como se os filhos estivessem sempre certos.
É um bullying que se infiltrou onde reinava a paz da assistência e da educação.
Não sou adepto do saudosismo e da nostalgia. Evito ser tendencioso com a memória e dizer que no meu tempo era melhor, mas não tem como não reparar na degradação dos laços sociais.
Bases do nosso caráter se perderam pelo caminho nas últimas duas décadas. O único silêncio que paira nos locais de aprendizagem e de atendimento não é o da obediência às leis e regras, e sim o do medo e da omissão de socorro.