Por que é tão difícil cumprir ordens? Qual é o problema de agir como os demais?
Uma lei estadual determina que cães das raças american pit bull terrier, fila, rottweiler, dobermann, bull terrier e dogo argentino só podem circular "se conduzidos por pessoas capazes e com guia curta — no máximo 1,5 m [...] — e focinheira".
Não é o que acontece na maioria dos casos. Costumamos avistar cachorros dessas raças soltos nas praças e parques de Porto Alegre.
É facilitar acidentes desnecessários, é criar pânico absurdamente gratuito. Quem sofre represálias não é o dono imprudente, mas o cão, que recebe a fama de demônio e abaixo-assinados para impedir a sua circulação.
Sob o pretexto de exceção afetuosa, ou de que o cachorro não possui um histórico de violência, os tutores fingem que a legislação não é com eles. Em geral, não admitem a possibilidade de qualquer risco, pois carregam os antecedentes da convivência pacífica e harmoniosa com seus bichanos dentro de casa.
Mas a rua é outra história. Os outros são imprevisíveis contatos. A prevenção é destinada justamente àqueles que não têm intimidade.
Quem nunca sentiu a respiração presa dividindo um elevador ou uma calçada estreita com os bichos rosnando sem proteção nenhuma? Quem nunca pegou seu filho pequeno no colo com receio dos latidos veementes?
O impulso é perguntar se é manso para não se angustiar tanto com a ansiedade galopante. Mas poucos fariam um carinho para testar a veracidade da resposta do dono.
Mais uma vez, presenciamos a cena de um ataque. Uma servidora pública foi mordida por um cachorro na manhã de segunda-feira (21), no bairro Menino Deus. Saía pelo portão do prédio de seu namorado quando uma vizinha se aproximou segurando dois animais pela guia. Dar passagem gentilmente para a moradora entrar significou um pit bull avançando com fúria no seu joelho.
As câmeras de segurança evidenciam o pânico com detalhes. O namorado da vítima ouviu o tumulto, e acudiu. Tentou afastar o cão agressor com chutes e com um cabo de rodo.
A mulher buscou atendimento no Hospital de Pronto Socorro (HPS), apresentando edemas e cortes em diversas partes do corpo, especialmente no joelho direito.
Se não houvesse socorro imediato, provavelmente teria sido muito pior. Muito mais do que um susto. Muito mais do que um boletim de ocorrência. Muito mais do que um pedido de desculpa.
Cabe recordar a tragédia recente que acometeu a autora infanto-juvenil Roseana Murray, de 73 anos. No início de abril, ela acabou cruelmente agredida por três cães da raça pit bull no bairro Gravatá, em Saquarema, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro, enquanto fazia uma inofensiva caminhada de manhã. Perdeu seu braço direito e teve uma orelha decepada no episódio que quase abreviou a sua existência. Sobreviveu por um milagre. Sendo escritora destra, voltou ao início da aprendizagem para escrever com a mão esquerda.
Nem todos têm a chance de escrever um novo capítulo na sua história.