Eu estava entrando em elevador de hotel em Recife, e veio uma família correndo cheia de malas:
— Espera, espera!
Segurei o botão de abertura. Desceram as sacolas e mochilas no chão, e respiraram aliviados. Eram um pai, uma mãe e uma filha na faixa dos cinco anos fazendo pela primeira vez turismo no Nordeste. Eu via que a menina tinha cinco anos porque já passava da cintura da mãe. Ria das novidades, da expectativa pela praia na manhã seguinte.
Enquanto conversavam entre si sobre os planos e horários de despertar, notei que o sotaque parecia o meu.
— Com licença, onde vocês moram? — questionei.
O pai me respondeu:
— No interior.
— Interior de Pernambuco? — continuei.
— Não, do Rio Grande do Sul.
— Sou gaúcho também. Qual cidade?
— Conhece Guaporé?
— Não acredito, adoro, é terra de minha mãe. Vocês são de lá?
— Não, do lado.
— Quanto mistério. Qual cidade, pelo amor dos pagos?
— Vista Alegre do Prata. Mas não deve conhecer, só tem 1.500 habitantes.
Ele nem aguardou o meu “sim” ou meu “não”, já falou por mim, deduzindo que se referia a um cantinho inatingível.
Quem é de município pequeno costuma fazer isso: não diz o nome assumindo que ninguém sabe onde fica. Daí diz o nome da maior cidade perto, usando uma referência que dispensa apresentações e detalhes.
É uma vergonha descabida, uma modéstia infundada. Pois o interior não tem noção de que todo mundo da capital gostaria de residir no interior: viver de portas escancaradas, criar seus filhos com segurança, contar com uma comunidade de apoio, não depender de carro ou de transporte público, poder ir ao trabalho a pé, dispor de dez quarteirões com os serviços essenciais, buscar as crias na escola, ter tempo para almoçar em casa e talvez até sestear por meia hora.
Trata-se do sonho bucólico do cidadão metropolitano, saturado de violência, de excesso de cautela, de alarmes, de muros de proteção, de condomínios fechados, de vigilância por câmeras, de medo de assaltos, de identificação obrigatória com RG e CPF nas guaritas e balcões dos edifícios comerciais.
Portanto, alardeie a sua cidade. Realize propaganda, transforme-se num guia remotamente. Quanto menor ela for, maior será a inveja. Quanto mais longe da capital, maior será o olho gordo. Dessa maneira, você irá atiçar a curiosidade dos outros e inspirar que seja um dia visitada. O nome perdurará no inconsciente.
Quando narrei essa história para a minha colega Kelly Matos, ela não se mostrou nem um pouco sensibilizada pela ingenuidade dos meus conterrâneos. Não aderiu ao meu discurso.
— Você foi enganado, Carpinejar! — ela me esclareceu sem compaixão.
— Como assim? Acho que você não entendeu o que aconteceu…
— Você é que não entendeu. O povo do interior é astuto. Ele não revela o nome da cidade de propósito, para que não seja superpovoada, para que não seja descoberta, para não perder a paz do paradeiro.
Será que eu caí num golpe? A ideia é mesmo dissimular para manter o paraíso escondido?