Eu tive graves problemas de dicção, o que retardou a minha alfabetização. A oralidade prejudicava a compreensão escrita das palavras.
Devido ao céu da boca estreito, dentes absolutamente irregulares, língua presa, fui zombado na escola. Os colegas tentavam aplicar em mim simpatias da gagueira nada simpáticas, como me pregar susto, como me fazer correr em fuga, como me obrigar a ler em voz alta bulas de remédio com expressões médicas que soavam engraçadas pela minha pronúncia errática.
Eles não queriam que eu melhorasse, queriam rir das minhas limitações.
Foi um período de aceitação que me fez entender o quanto a maldade é banal. Enquanto a maior parte da turma vibrava com o sinal do recreio, eu entrava em pânico, tendo que lidar com novos escárnios.
Não era levado a sério. Terminava sendo visto como o louco da sala de aula, o palhaço involuntário, o piá feio e desengonçado, o sem futuro, o patinho feio, recrutado à força para humilhações em praça pública.
No refeitório, jogavam o sagu em cima da minha roupa. Na educação física, baixavam a minha calça quando estava desprevenido. No pátio, empurravam-me de uma pessoa a outra, esperando que eu caísse.
Por isso, eu chorei sem parar ao assistir, já adulto, ao filme O Homem Elefante, de David Lynch. Realizei uma catarse no cinema escuro e vazio: havia sido um menino elefante.
Nunca troquei de escola, de sala de aula, não existia essa possibilidade de remanejamento na minha época espartana. Precisava me adaptar dentro de mim. Passei a dedicar horas semanais na fonoaudióloga, procurando mitigar os danos.
Naqueles momentos, na paz do consultório, com a porta trancada, eu tive o primeiro contato com a infância em minha vida. Ali, conseguia brincar livremente, sem ameaças externas. Quem sofre, ainda que seja criança, não tem infância — amadurece precocemente.
No início, estranhei os métodos, já que estava tão acostumado a desconfiar de todos.
Zulmira pediu que eu usasse bico. Zulmira pediu que enchesse balões. Zulmira pediu que soprasse língua de sogra na frente do espelho. Eu olhava para ela e perguntava:
— Tem certeza disso? Eu não deveria estar me tratando? Não deveria ser curado em vez de perder tempo com brincadeiras?
Ela me ensinava:
— Você não está doente. Não há nada de errado com você.
Não sei explicar direito, mas a medicação dela funcionou: a confiança. Eu comecei a confiar em mim, a treinar leituras de noite para falar o básico. Uma conversa trivial na rua exigia minha completa concentração. Enquanto os mais próximos se comunicavam facilmente, eu possuía a noção de que cada frase inteligível que saísse de minha boca seria uma vitória pessoal. Ninguém notava quando acertava, só quando errava. Não poderia me comparar aos meninos de minha faixa etária — unicamente eu festejava minhas graduais correções, o quanto evoluía secretamente.
Voltei a ser bebê de colo. Carreguei a mim mesmo, até me tornar quem hoje sou, uma criança crescida.