Os tímidos sempre se ferram: são os primeiros a se apaixonar e os últimos a confessar suas intenções; os dublês nas cenas de perigo, jamais protagonistas dos beijos ardentes.
Nenhuma escolha é precipitada. Nenhuma decisão é superficial. Ficam estudando o terreno até alguém comprar antes deles.
Só declaram os seus sentimentos quando têm certeza de que a outra pessoa lhes corresponde — ou seja, tarde demais. Não vislumbram a sincronia das juras românticas.
Na escola, eu aprendi a triste arte de sobrar.
Não saí da sala de aula com orelhas de burro, mas com alguns chifres de amor platônico.
Existe uma fatalidade na amizade escolar. Não deve ser coincidência, pois várias de minhas parcerias passaram pelo crivo triste dessa experiência.
É a narrativa básica de desengano das comédias românticas sobre o colegial. Com a diferença de que não vivíamos um final feliz na realidade, muito menos uma reviravolta na festa de formatura.
Eu calhava de gostar da colega de que meu melhor amigo também gostava.
De todas as meninas da turma, de quinze candidatas, convergíamos em desejar namorar a mesma.
Nem sempre era a mais bela, mas era sempre a mais carismática, a mais sociável, a mais despachada.
Eu me apaixonava por uma guria, não falava para a guria, apenas para o meu melhor amigo, que guardava segredo.
Só que meu amigo não me revelava sua paixão pela guria. A sacanagem é que ele sabia o que eu sentia, mas eu desconhecia o que ele sentia por ela.
Vivia em desvantagem de informação. Acabava sendo traído pelo meu confidente.
Ele se aproximava da colega sob o pretexto de ser meu cupido, porém estava agindo a seu favor, criando cumplicidade e ganhando espaço com minha anuência simpática ao longe.
Não lutava por mim, como eu supunha, e sim para o regozijo do seu coração.
Fazia trabalhos em grupo com ela, frequentava a sua casa para ensaiar apresentação, e o tonto aqui jurando que ele advogava pela minha causa retraída. Não poderia supor ou fantasiar que já se encontravam para beijinhos.
Tem essa agravante no trauma. Na deslealdade tradicional de nosso período de formação, o melhor amigo costuma ser o expansivo, e você, o tímido. E os tímidos se ferram, já que não tomam a iniciativa.
É a síndrome de Cyrano de Bergerac, o narigudo que escrevia cartas de amor para quem amava em nome de um outro mais bonito.
Ela vivia olhando para mim, porém ela olhava porque eu andava ao lado do meu melhor amigo. Não era para mim. Eu não era o seu alvo. Não era o seu destino.
Entendia seus gestos como reciprocidade, retribuindo piscadelas e risadas no recreio (que vergonha!), e não me atinha ao fato de que representava um mero figurante de romance alheio.
Assim como jamais entregava o meu anseio por ela, tampouco brigava com o meu amigo. Tanto o amor por ela quanto o ódio por ele permaneciam platônicos até o fim do ano.
Restava-me suportar conviver com os pombinhos como se eu fosse padrinho de namoro, como se eu tivesse dado a bênção.
Eu me queimava na própria vela que segurava. E como doía a chama sufocada do peito.
São queimaduras incuráveis por dentro da pele.