Meus pais têm nomes compostos, seus irmãos têm nomes compostos.
Na família paterna, além de meu pai Luiz Carlos Verzoni Nejar, há os tios Luiz Paulo Verzoni Nejar e Sady José Verzoni Nejar (in memoriam), e as tias Maria do Carmo Abott, Maria Cristina Nejar, Maria da Graça Nejar e Rosa Maria Nejar.
Do tronco materno, minha mãe é Maria Elisa Carpi, minha tia é Cléa Ana Carpi.
Do mesmo modo, as primas da minha esposa são Maria: Maria Clara, Maria Geralda, Maria Lúcia, Maria Elisabeth, Maria Teresinha e Maria de Lourdes. Das dez gestações, seis são mulheres, com o batismo semelhante.
Os nomes das pessoas mais antigas são compridos como fazendas. São extensos como estradas. Carregava-se uma lógica genealógica de prefixos na família grande. Como um princípio de ordenação, de hierarquia do caçula ao primogênito.
Eu acho bonita a existência desses seres gêmeos de nome. Gêmeos do cartório.
Você contava com um nome suplente. Um nome secreto. Um nome para ser guardado. Um nome para ser economizado.
A família chamava de um jeito, os amigos de outro. O trabalho destacava uma forma de nominação, a intimidade escolhia outra. Você desfrutava de uma versatilidade em diferentes ambientes. Não se enjoava de si, dispunha de mais de uma maneira de se declarar.
Meu pai prefere o Carlos — o Luiz passa a ser o seu duplo escondido. Minha mãe privilegia a Maria — a Elisa é sua alma reservada.
Quem tem hoje três irmãos, e pensa que os pais exageraram na dose, não faz ideia da multidão de crias pela casa. Um quarto sozinho era uma sandice, um desejo nababesco, uma realidade impossível. Você se via dividindo as camas, os armários, os cadernos, os livros, as roupas, os brinquedos.
Prevalecia uma reação de manada. O nome coletivo nem sempre facilitava. Quando um dos filhos era repreendido, todos olhavam.
A duplicidade não acontecia devido a um problema de memória dos pais, numa dificuldade de listar um por um da prole fértil, ou por indecisão sobre o significado dos nomes, ou por ausência de criatividade, ou num ato diplomático para compor dissidências e agradar a gregos e troianos. Tratava-se de um fundamento de sobrevivência do legado, assinalando uma homenagem a um parente — vô ou vó, bisavô ou bisavó.
Você contava com um nome suplente. Um nome secreto. Um nome para ser guardado. Um nome para ser economizado.
Representava um artifício de perpetuação familiar. Havia a necessidade de preservar a memória sofrida dos antecessores, numa resistência genética a partir da escrita.
Evitava-se a repetição dos nomes paterno e materno, com o acréscimo de Júnior, por exemplo. Procurava-se beneficiar gerações mais remotas.
O nome em comum correspondia também a um recurso para mitigar perdas. Diante da alta taxa de mortalidade infantil, nunca se sabia quem iria chegar à fase adulta.
Assim se criava uma dinastia de Luiz, ou João, ou Pedro, bem como uma escadinha de Maria ou Ana.
Observando com atenção os meus pais aos seus 85 anos, entendo cada vez mais o motivo de seus nomes numerosos. Foi providencial para o tamanho de suas tarefas. Nada veio fácil para eles. Tiveram que ser vários ao longo da vida, um exército de versões para se revezar na resiliência. Atravessaram uma guerra mundial, a Guerra Fria e as duas enchentes que devastaram Porto Alegre.