Ricardo e Ana Sabrina eram meus colegas no Colégio de Aplicação da UFRGS. São o único casal formado na turma que permanece junto até hoje. Já estão há mais de trinta anos casados.
Em fevereiro, soube que a sua filha mais velha, Mariana, 15 anos, sofreu um grave AVC hemorrágico. Foi levada entre a vida e a morte para a UTI do Hospital Moinhos de Vento.
Inteligente, leitora, estudiosa, cantora, tecladista, premiada em escrita criativa, dona de um sorriso generoso, encontrava-se a dois dias de começar o tão sonhado ensino médio, preparando-se para exercer no futuro a Neuropediatria (meta profissional). Aliás, o mesmo ensino médio que serviu de palco para os seus pais se conhecerem e se amarem.
Eu me conectei a Mariana. Não somente porque ela tem o nome de minha filha, não somente porque me coloquei no lugar de meus dois amigos, mas porque eu sentia o quanto ela lutava para sobreviver, dentro de seu mundo interior, naquele quarto de hospital. Não sei explicar.
Eu acabei arrastado pela oração.
Mandei um buquê de rosas com uma carta e pedi para que Ricardo e Ana lessem o que escrevi para ela. Tinha certeza de que ela me ouviria mesmo estando desacordada. Tinha convicção de que as palavras são curativas.
“Mariana!
Nossa existência é incompreensível. Então, vamos tirar proveito disso e ser ainda mais incompreensíveis. Eu a espero aqui fora para um abraço. Venha, sei que pode me escutar. Tenho que dar um spoiler da sua vida, logo para você que odeia quem antecipa finais de livros e filmes: você fará grandes realizações. Sua vida será salva para salvar pequenas vidas.
Com amor,
Fabrício Carpinejar”
Os pais leram a minha carta para ela todas as manhãs, religiosamente.
Em seguida, Mariana passou por uma delicada cirurgia para corrigir a artéria com má-formação.
Meses se seguiram com a jovem em coma, restabelecendo-se devagar, com um sono cada vez mais leve.
Em 2 de abril, Ricardo me escreve:
“Bom dia, Fabrício, Mari está sem traqueostomia, sem sonda, comendo pastinhas, falando (baixinho), evoluindo bem na fisioterapia e se lembra de absolutamente tudo, do dia do AVC, dos dias na CTI, da senha do celular.
A notícia linda é que ela não apenas se lembra da tua mensagem que eu lia pra ela, ELA SABE REPETI-LA DE CABEÇA.
Palavras são curativas, sim. Temos comprovação”.
Mariana já caminha. Mariana já fala com desenvoltura. Na última semana, de modo surpreendente, participou da Olimpíada Brasileira de Matemática na sua escola. Ficou três horas fazendo a prova e se classificou para a segunda etapa (somente sete alunos conseguiram a façanha). E isso que ela nem iniciou o Ensino Médio devido ao acidente.
Seu neurologista Pedro Schestatsky, autor do fundamental livro Medicina do Amanhã, partilha de igual espanto:
“A Mari é uma pessoa muito especial que zombou de todas as estatísticas relacionadas à recuperação de pacientes de AVC hemorrágico com craniectomia. É nessas horas que temos certeza de que existe algo além de anatomia, fisiologia e bioquímica. Existe amor, perseverança e garra!”.
Quem trouxe Mariana de volta não fui eu, mas o amor de sua família. Todos ao redor — médicos, enfermeiros, amigos — tornaram-se instrumentos da emanação do poder da ternura familiar.
O amor não faz milagres, ele já é o próprio milagre.