Não bastasse a enchente que atingiu 90% do nosso Estado, agora São Luiz Gonzaga, um dos raros municípios que saíram ilesos do maior desastre ambiental da história do Rio Grande do Sul, sofre uma violenta microexplosão climática na noite de sábado (15).
Nosso desconsolo não tem fim, não tem trégua, não tem paz.
Não podemos pensar mais nas assustadoras tempestades como exceções. É a nossa regra. Somos um Estado suscetível a ciclones e tornados.
Eu já visitei várias vezes São Luiz Gonzaga, nossa República Guarani, berço dos nossos pajadores, terra que foi exaustivamente cantada por Jayme Caetano Braun e Pedro Ortaça, árvore frondosa da nossa música nativista, território mágico da cozinha campeira, em que provei o melhor carreteiro de minha vida, no qual o churrasco não é requentado.
Guardo lembranças ternas de uma cidade avermelhada e próspera no Alto Uruguai, com 35 mil habitantes, que mantém vivo o espírito das reduções jesuíticas.
Por alguns minutos de breu e temporal, ela se tornou uma maquete de papelão, frágil, vulnerável, atacada por ventos a mais de 70 km/h. Houve um choque entre as massas de ar quente e frio, no raio de quatro quilômetros sobre o município, formando uma cúpula violácea de terror no céu.
— Não é conversa de pescador. No máximo, durou 10 minutos. Um som de vácuo, de oco. Como se o tempo estivesse parado. Um vento quente primeiro, depois um vento gelado. Foi um liquidificador — lembra o promotor de Justiça Sandro Loureiro Marones.
De repente, 1,2 mil casas estavam destelhadas, 30% do perímetro devastado. Houve a destruição de quatro escolas, duas unidades básicas de saúde, o Museu Arqueológico e a sede da cooperativa Coopatrigo.
— Choveu 80 milímetros em menos de 10 minutos. Nunca vi nada parecido nos meus anos de fronteira. Bicicletas voavam, um sofá foi parar em cima de uma árvore, colégios, silos, cooperativas acabaram desmanchados, a cobertura de um ginásio de padel ficou três quarteirões longe do seu endereço — completa Marones.
Imagine se o cataclismo tivesse ocorrido em dia útil, durante funcionamento do comércio e do ensino, pegando a todos desprevenidos. Quantas existências seriam perdidas?
O decreto de emergência emitido em maio, devido ao volume de chuva que danificou estradas e prejudicou o fim da colheita da soja, vai migrar, com o novo incidente, para a natureza irreparável de calamidade.
Não existe como permanecer impassível diante do cenário esgualepado no nosso noroeste gaúcho.
É necessário acrescentar, em política ambiental, regimes de urgência contra o fenômeno chamado de downburst. Somos o novo centro-oeste dos Estados Unidos, os novos sudeste e leste asiáticos.
Por mais que pareça um enredo de filme de ficção apocalíptica, passa a ser fundamental criar abrigos subterrâneos, treinar a população para evacuação imediata, priorizar vidas acima de tudo.
A defesa civil deve ser aplicada nas escolas.
É instaurar uma consciência coletiva e coreografada de retirada dos moradores o quanto antes. É reservar parte do orçamento municipal com o objetivo de reduzir danos em eventos de força maior.
Pois as milongas serão cada vez mais tristes.
Seguindo o conselho de Pedro Ortaça diante das adversidades, talvez seja o momento de despertar o nosso lado guasca:
“Sou do Rio Grande do Sul e por isso não me calo
Por entre o verde e o azul em qualquer parte me instalo
E onde não querem que eu cante meu canto vai a cavalo
Levando a noite por diante, igual ao canto do galo”.
Em São Luiz Gonzaga, barulha o sinal de alerta. Significa se adaptar para sobreviver.