Todo mundo pode fazer seu currículo, todo mundo pode dizer o que quer nas redes sociais, mas só a sinceridade dá certo: não exagerar, não mentir, não omitir, não fingir ser mais importante do que se é, não obter vantagens indevidas, não furar fila, não se valer de mordomias.
Estamos viciados na ostentação: de amores, de títulos, de amizades. Existe uma disputa para ganhar dinheiro fácil, poder fácil, fortuna fácil. Nunca o trabalho duro foi tão menosprezado. Nunca a carreira a longo prazo foi tão negligenciada.
Crescer dentro da normalidade, evoluir dentro da honestidade surgem como perda de tempo. Há sempre atalhos de sucesso, ainda que signifiquem brechas na lei. E não entendo como alguém não deseja seguir a lei, já que é para o bem de todos, e procura exceções para ter algum benefício exclusivo.
“Não vai dar em nada” é o incentivo para adotar um negócio ou acordo escuso. O que me leva a crer que o único medo frequente é a exposição de possíveis irregularidades, de modo nenhum o sacrifício do caráter.
Se tudo permanecer em completo silêncio, não há riscos. O que é assustador. Não se sofre por contrariar a decência. Agimos em prol de uma imagem.
Proponho a diferenciação entre fama e reconhecimento. Qualquer um pode ser famoso, por um dia, por uma semana, por um mês, por um ano. Um vídeo viraliza e a pessoa já angaria milhares de seguidores. Entretanto, a fama acaba. A fama não é legado, mas vitrine.
Reconhecimento é o que ocorre atrás do balcão, longe da fachada. Desdobra-se lentamente, para poucos, por méritos e constância, pela dedicação a uma atividade ao longo da existência. Demora décadas. Envolve altos e baixos. Implica acordar cedo e priorizar disciplina e princípios.
Lembro-me de um poema do escritor português Fernando Pessoa, que sintetiza a busca desenfreada pela mitificação: “Arre, estou farto de semideuses! / Onde é que há gente no mundo?”.
Talvez o reality show — ficar confinado em uma casa, com câmeras 24h, encenando, farreando e dançando — venha a ser o espírito da bolha egoísta em que vivemos moralmente. É o triunfo da condescendência para ser conhecido.
Acompanhamos na última semana o caso do vice-campeão do Big Brother Brasil 24. Ele teria ingressado no curso de Engenharia Agrícola do Instituto Federal Farroupilha (IFFar) pelo sistema de cotas raciais, em 2014. Assim ele estudou como cotista até o quinto semestre, quando trancou a sua matrícula. Fingiu uma cor e uma raça que não tinha, desmerecendo e profanando uma das melhores políticas de inclusão das universidades brasileiras. Aquele instrumento que serve para reduzir a desigualdade terminou sendo direcionado para aumentá-la. Foi uma brecha explorada sem vigilância na época.
Trata-se, em tese, de crime de falsidade ideológica, se assim for comprovado, com base no Decreto-Lei nº 2.848, artigo 299: "Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante".
Ou seja, até a desculpa tem um fundo de falsidade ideológica. Como alguém efetuou a inscrição no seu lugar?
Quando uma mentira vem à tona, outras mentiras costumam acompanhá-la.
A verdade é solitária e límpida. A verdade não cai em contradição, é ela e nada mais.