Cabe suspender a rivalidade por um momento e lembrar que todos somos vítimas da enchente, o maior desastre ambiental da nossa história, com 182 mortes, 29 desaparecimentos e 600 mil pessoas desalojadas de suas casas.
Não adianta Inter e Grêmio fazerem campanha “Jogando Junto Pela Reconstrução do RS”, se na prática não existe solidariedade entre eles. O ruído de comunicação externará a farsa.
Se o pedido não foi um blefe, Inter precisa ceder o Beira-Rio para o Grêmio. É uma questão de honra, de caráter, de amparo num período de exceção.
Não se trata apenas de esporte, mas de empatia com quem teve o estádio destruído ao mesmo tempo e sofre dificuldades para retomar o mando de campo numa área mais atingida pelas cheias.
A nova grama do Beira-Rio não aguenta duas partidas por semana na alternância das rodadas?
Circula a notícia de que um laudo técnico atesta a precarização do gramado, e de que, inclusive, o Inter corre o risco de não poder mais utilizá-lo, dependendo da frequência. Ele sequer está disponível para treinos.
Eu entendo a ressalva, mas não há como estabelecer um calendário razoável para um emprego conjunto no Brasileirão, com três dias de folga entre uma batalha e outra?
Serão menos de dois meses até a Arena ficar pronta.
É estapafúrdio o Tricolor continuar jogando fora eternamente, afastado da sua cidade e da sua torcida, procurando refúgio em Caxias do Sul ou Curitiba.
Como colorados, nossa falta de atitude representaria uma avareza imperdoável, rompendo a nossa fidalguia, oferecendo o exemplo errado de como o gaúcho verdadeiramente é.
Tenho certeza de que os gremistas não irão destruir o Gigante. Respeitarão o fair play, o pacto de cordialidade. Não gritarão “chiqueiro” ao sair das arquibancadas, não arremessarão as cadeiras para longe, numa trégua de paz no nosso Estado.
A gratidão garantirá lisura e ausência de baderna. Mais do que torcidas mistas, presenciaremos, pela primeira vez, torcidas unidas por um propósito maior: a sobrevivência do nosso futebol.
Caso contrário, iremos desaparecer. Iremos afundar juntos.
Não é possível testemunhar de braços cruzados a nossa fragilidade exposta e debochada diante do futebol do restante do país, que não conhece de perto os efeitos colaterais da destruição, o nosso cenário atual de terror e penúria.
Afinal, estamos vendo que um mês parado comprometeu o desempenho e a igualdade na competição dos dois clubes. Estamos vendo o quanto custa um mês de inatividade de nossos jogadores. Partimos da inércia total para recuperar uma série ensandecida de confrontos atrasados.
Qual o resultado previsível disso? Uma coleção de lesões. Na derrota do Inter para o líder Botafogo, existiam oito desfalques, quase um time inteiro.
É difícil lutar por títulos quando não há nem aeroporto funcionando.
Sem cooperação mútua, os dois times mergulharão na zona de rebaixamento. Grêmio já está lá. Caso o Inter não pontue nas três próximas rodadas, também estará lá.
Não teremos desconto ou complacência da CBF. Não teremos vantagem nenhuma. Sempre fomos sozinhos. Construímos, degrau por degrau, as nossas escadas para as glórias.
No lugar de o roto desdenhar o esfarrapado, é a hora de costurar a bandeira do Rio Grande.