As comparações são assustadoras quando dimensionamos o maior desastre ambiental do Brasil. O rio Guaíba recebeu o equivalente a uma Itaipu em água. Todo o território afetado pelas chuvas equivale a sete vezes a área de Porto Alegre.
No lado oposto da catástrofe, é também grandiloquente o fluxo de doações para o Rio Grande do Sul. Nunca houve nada igual no país. Toneladas partem de todos os estados e desembarcam nos centros de distribuição da Defesa Civil.
O carinho chega na hora certa. Concomitantemente à tragédia da invasão das águas, começa agora o frio, com queda brusca de temperatura. No interior, os termômetros ficarão entre 7ºC e 13ºC.
Milhões de voluntários separaram suas roupas, seus cobertores, seus calçados, seus colchões a mais, e enviaram para a enchente gaúcha por caminhões ou aviões. Quem tinha muito ou quem tinha pouco não pensou duas vezes. E não eram pertences velhos, puídos, na iminência de ser descartados. Ocorreu a divisão igualitária do guarda-roupa, num movimento de abdicar do excesso, numa adrenalina repentina de lucidez e desapego.
A ordem solidária de “qualquer coisa serve”, “qualquer ajuda vem bem” não foi seguida à risca.
Porque não é praticável oferecer peças furadas ou estragadas para aqueles que já perderam tudo — casa, móveis, carro e seu próprio lugar no mundo. Existe uma decência de somente dar o que você usaria.
Não é respeitoso confundir vulnerabilidade com mendicância. Evita-se que as pessoas alojadas em abrigos se sintam ainda pior pela sua situação, já que são vítimas de um desastre natural, de um evento de força maior.
É preciso ter o bom senso de proteger e aquecer com os nossos melhores esforços, em vez de agravar a sensação de desconforto, de exclusão e de abandono.
Ninguém, em sã consciência, ciente da devastação emocional de meio milhão de moradores expulsos de seus lares, passaria adiante uma roupa com a natureza de pano de chão, logo para flagelados que dependem exclusivamente de esperança.
A triagem aconteceu antes em casa, aconteceu antes no coração, representando um gesto de proteção, de equiparação e, principalmente, de empatia dos brasileiros, que imaginaram por um instante como seria enfrentar as mesmas dificuldades e desolação. Amarraram-se os sapatos para os pares não se perderem, colocou-se etiqueta com o tamanho de cada vestimenta para prevenir confusão — coisas tão simples, tão mínimas, mas que revelam o capricho da atenção.
Não esqueceremos esse cuidado. Por mais que se diga que é obrigatório ajudar, o que testemunhamos teve um caráter espontâneo de imediata identificação. As fronteiras entre longe e perto, dentro e fora se viram abolidas pelo amor ao próximo.
Nesse panorama de calamidade e de ardente solidariedade, não faz sentido, portanto, que o governador Eduardo Leite intimide doações dizendo que podem prejudicar o comércio. Quem não tem mais nada não desfruta de condições de comprar itens básicos, muito menos roupas. É uma primeira etapa de sobrevivência e acolhimento.
O governador não deveria misturar os momentos, apenas agradecer.