Estudei em escola pública. Minha turma no ensino fundamental contava com 28 alunos. De todos, apenas dois entraram na universidade, Maria Alice e eu, ambos brancos de classe média.
Os demais seguiram diretamente para cursos profissionalizantes ou foram escalados a trabalhar em negócios familiares e ajudar no sustento de casa.
Não sei se depois algum colega, mais velho, cursou ensino superior. Guardo a informação da minha professora da época.
Era uma peneira cruel, um filtro insano. Conseguiam dar o próximo passo Barbies e Kens.
Por isso, sou favorável às cotas. Não há meritocracia possível se o racismo e a pobreza desclassificam os candidatos antes mesmo do próprio ENEM ou vestibular. Eles ficam no caminho, desprovidos de planejamento e estabilidade durante a formação para se habilitar às provas.
Nossa educação é desigual. Não somos um país justo, ainda experimentamos um apartheid cultural.
Sem as cotas, estaríamos afundados nos índices absurdos da minha infância.
A Lei 12.711/2012 completará doze anos. É o último ano de sua infância.
Ela determina a reserva de, pelo menos, 50% das vagas totais para alunos que cursaram o ensino fundamental (acesso a instituições federais de ensino técnico de nível médio) ou ensino médio (acesso a instituições federais de ensino superior) integralmente em escolas públicas.
Dentre as vagas reservadas, a legislação regulamenta que pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência tenham direito a vagas no mínimo iguais “à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do IBGE”.
Pela primeira vez na década, negros e pobres não são mais exceções nas colações universitárias. Pela primeira vez na década, já podemos enxergar com frequência professores negros paraninfos das turmas (no meu curso de Jornalismo na UFRGS, só tive um professor negro).
O aumento da representatividade enriquece o ambiente educacional, enseja a mudança das pautas e das disciplinas, promove a adaptação do currículo para que sejam compreendidas a fundo as raízes da segregação silenciosa.
As leituras agora são outras, os autores são outros. Aliás, autoras! Já existe um consenso para Ana Maria Gonçalves (Um defeito de cor), Conceição Evaristo (Becos da memória), Carolina Maria de Jesus (Quarto de despejo) e Djamila Ribeiro (Pequeno manual antirracista).
A política pública não apenas melhorou a gangorra, mas propiciou uma desintoxicação da esteira colonial e supremacista de nossas fontes bibliográficas.
Temos hoje uma política pública afirmativa que garante um equilíbrio para o ingresso ao ensino superior, permitindo que estudantes desfrutem de uma possibilidade razoável de aprovação de acordo com o seu histórico.
Se alguém reclama das facilidades dos cotistas, não entende nada de superação. Eles não têm mordomia nenhuma no decorrer da universidade, não recebem desconto, segunda chance ou um olhar misericordioso. Provam seu valor com esforço e dedicação, e precisam recuperar conteúdos que nunca foram dados para eles na educação básica.