Depois que os pais completam oitenta anos, não se deve mais brigar com eles.
Não se deve mais querer mudá-los ou ter razão. Eles são daquele jeito, entenda e respeite.
Tomei essa decisão definitiva. Não discuto mais com os meus pais. Não importa o que aconteça, não importa se concordo ou discordo deles, não importa se passam pano para um irmão que errou feio, não importa se me posiciono contra a sua orientação política ou sua opinião estapafúrdia, não importa se preciso tolerar disparates do quanto o passado era melhor.
Eu me calo na mais funda paciência. Não me precipito, não permito que a ansiedade vire falta de tato, não aceito que a pressa desemboque na grosseria, não facilito ressentimentos.
Eu transformei o meu silêncio em cuidado. Apenas observo e agradeço a bênção.
Minha mãe tem 84 anos. Meu pai tem 85 anos.
Nenhum desentendimento será maior do que o meu amor por eles. O amor prevalece e reina pela paz.
Tudo com que eu poderia me indispor, tudo o que eu poderia apontar, tudo de que eu poderia reclamar: já fiz antes. Minha carência da infância acabou, minha revolta da adolescência findou, sou adulto para não ser mais levado pela mão nervosa da passionalidade.
Agora é o momento da cristalização de nossos laços, a colheita daquilo que foi plantado, a reverência aos dois pelos exemplos oferecidos ao longo de riquíssima existência.
Assim como os pais se aposentam do serviço, também merecem a aposentadoria de nossas críticas, de nossas restrições, de nossos senões.
Deixo que errem, deixo que bradem, deixo que transpareçam insatisfações, deixo que xinguem as minhas limitações e meus defeitos.
Eles têm o direito de ficar de mal comigo, eu não tenho mais esse privilégio.
Eu me farei de louco quando eles se mostrarem estremecidos, não aprofundarei o mal-estar, esquecerei possíveis tensões, seguirei adiante, trocarei de assunto, confiarei a eles a minha risada mais honesta de quem acolhe e reparte as imperfeições.
O que me cabe é me manter próximo, atento e acessível a qualquer necessidade. Ninguém escuta pedido de socorro permanecendo longe.
Darei presentes, pagarei almoços e jantares, surgirei imediatamente sempre que for chamado.
Não se brinca com o tempo. Não se debocha do destino.
Todo dia é uma eternidade para quem ultrapassou os oitenta anos.
O que não desejo, de modo nenhum, é perdê-los durante uma ruptura emocional, estando brigado, estando sem falar com eles.
A culpa costuma aparecer nas nossas distrações, o remorso se aproveita dos nossos pequenos atos egoístas de isolamento.
Uma distância momentânea hoje é fatal.
Você julga que interrompeu a comunicação ocasionalmente e não percebe que se trata de um instante decisivo.
Jamais vou parar de conversar com eles, jamais cairei na tentação da birra, jamais agirei com chantagem, jamais bloquearei o contato como se fosse um ex-relacionamento, jamais ignorarei alguma ligação.
Não é medo da morte, é medo da vida, de não valorizar a vida que resta.
Será assim até nosso último dia juntos, até sermos cobertos pela saudade.