O amor acontece apesar de nós. Podemos criticar o outro. Combater o outro. Depreciar o outro. Competir com o outro. Controlar o outro pelo ciúme. Censurar o outro pela possessividade. E ainda assim o amor acontece, por instantes de beleza e de verdade.
Imagine, então, quando um casal não luta contra o amor. Luta a favor do amor. Como é o caso de Cíntia Moscovich e Luiz Paulo Faccioli. Completaram bodas de esmeralda, quarenta anos juntos. E não somente melhoraram a relação, melhoraram a família, os amigos, todos que estão próximos. Somos muito melhores desde que esse casal tocou a nossa existência.
A inquietação é o combustível da longevidade sentimental. Qualquer amigo, por mais que tenha frequentado a casa deles na Marquês do Pombal, no Moinhos de Vento, jamais a conhece inteira. Porque nunca vi uma residência passar por tantas reformas. Não duvido que Cíntia e Luiz Paulo tenham reformado um banheiro na semana passada.
Eles nunca pararam de reformar também o casamento, ou suas personalidades. São incansáveis.
Quem os conhece desde longe, como eu, acompanhou suas inúmeras fases.
Já fizeram churrascos, saraus, piqueniques, luaus. Engordaram grande parte dos autores de Porto Alegre. Depois começaram as obsessões por pilates, dança, bike.
De repente, eles estavam pedalando de noite com lanternas e capacetes. De repente, faziam coreografias na frente do espelho.
Esses dois escritores vivem inventando fábulas.
Fanáticos por viagens, só não viajaram mais do que a Glória Maria.
Fanáticos por MPB, recitam estrofes de Chico Buarque como poemas disfarçados.
Fanáticos pelo bom humor, suas gargalhadas são de tenor e soprano.
Fanáticos por uma boa prosa, buscam a frase perfeita até nas conversas — pescam metáforas.
Fanáticos por palavrões, cumprimentam os amigos com um afeto de baixo calão.
Fanáticos por cachorros e gatos, espalham suas infinitas crianças pela cama.
Fanáticos por oficinas, acreditam que podem aprender ensinando.
Fanáticos fantásticos: Cíntia e Luiz Paulo.
Não há meio-termo. Eles se entregam com tudo o que têm para a música, para o cinema, para a literatura, para os esportes, para as amizades, para a família.
Já bateram cartão em banco, em assessoria, em redação de jornal. E foram se libertando das obrigações do mundo e dos escritórios para trabalhar em casa, num jardim botânico secreto.
Casaram jovens e nunca cansaram do amor. Principalmente, nunca cansaram de ser jovens.
Dividiram as dores, revezando-se ao carregar a mochila: as pedras, as perdas no coração.
Somaram as alegrias, não importando onde elas tiveram início, se no Luiz Paulo ou na Cíntia.
Sobreviveram a lutos terríveis. Sobreviveram a doenças assustadoras. Sobreviveram a polêmicas. Sobreviveram se amando cada vez mais.
Porque, mesmo na maior agitação dos dias, na maior febre do corpo, nas maiores adversidades, o amor é admiração.
Amar é quando você olha ao redor, percebe aquela pessoa predileta ao lado e não sente falta de mais nada na vida.