Você precisa entender o que o outro entende como amor. Pois ele não tem a mesma percepção que a sua.
Ao lhe preparar uma surpresa, você jura que é para o bem dele, mas talvez esteja pensando unicamente em sua própria felicidade.
Quando você vira essa chave, entra em qualquer porta, em qualquer coração.
Antes eu oferecia o que me agradava, o que correspondia aos meus anseios, o que me satisfazia. Eu dava o que eu queria receber.
No último Natal, por exemplo, preparei a ceia para a minha mãe: vários pratos e assados, farofas e molhos, com direito a duas tortas de sobremesa.
Até esse ponto, ainda estava contemplando as minhas expectativas, não as dela.
Eu me dei conta de que nada adiantaria, por mais que a refeição fosse deliciosa, por mais que os insumos fossem de primeira, por mais que o vinho fosse o ideal, se eu não deixasse a sua cozinha limpa.
Minha mãe não fica feliz especificamente com o jantar, e sim com o conjunto da obra.
É o jantar, mais a louça, mais o lixo recolhido, mais o pano no fogão, mais o piso varrido, mais as sobras acondicionadas com plástico-filme na geladeira.
Para arrancar o sorriso da minha mãe, eu devo ocupar o seu espaço e também desocupar. Devo saber chegar e também saber sair.
Tudo precisa estar lavado, com a missão de manter a cozinha do jeito cristalino e límpido que eu a herdei.
O que significa servir, lavar, secar, guardar. A abolição de uma dessas etapas já conspurca a credibilidade da minha visita.
O perfeccionismo materno tem a sua razão. Afinal, presente que dá trabalho não pode ser chamado de presente.
Não há sentido em cozinhar para alguém se a pia vira um lodaçal, um pântano, com panelas sujas, louça empilhada e um exército de copos para ensaboar.
Se você apenas abastou a mesa, abandonou o seu posto no meio. As duas ou três horas sobre o vapor e a fumaça das suas misturas e temperos não equivalem à faxina que legou para a sua companhia na manhã seguinte.
Jamais será um bom trato "eu cozinho, você lava". É uma troca injusta.
Cozinhar é igualmente sumir com os vestígios da sua presença. Não cabe, de modo nenhum, denunciar os seus truques, a sua mágica, mostrar o que usou e como fez expondo os resquícios das frigideiras.
A verdadeira proeza é ninguém conseguir entender as etapas da sua receita. A ideia é até supor, diante da ordem, que a comida foi encomendada.
O cuidado envolve o precioso alimento espiritual de não transferir tarefas.
No fim da ceia, minha mãe apareceu para espiar o estado de sua cozinha. Quando ela viu cada objeto em seu respectivo lugar, suspirou de alívio e, só nesse instante, reconheceu-se pronta para me agradecer com um longo abraço.
Eu lhe adverti:
— Mas, mãe, estou todo suado.
Ela buscava mesmo celebrar o meu suor. Suor é amor mais do que o riso, mais do que as lágrimas.