Eu estava prestes a começar uma palestra. Faltavam quinze minutos para subir ao palco.
Meu camarim foi improvisado na própria Secretaria de Educação, no segundo andar do prédio. Pedi para ir ao toalete e perguntei onde era à comissão de professores que me recebeu festivamente.
Ao entrar no lavabo, ao trancar a fechadura me comprometendo com tudo o que havia lá dentro, reparei num cartaz em cima da privada: “se for fazer o número 2, desça ao banheiro de baixo”.
Nunca tinha visto aquele tipo de advertência. Já havia lido os mais distintos lembretes nos melhores lavabos do ramo: “lave as mãos”, “aperte a descarga antes de sair”, “mantenha o ambiente limpo”, “não jogue papel no vaso”.
A explicação se mostrava inédita em minha vida.
Não se tratava do caso ou de uma urgência, mas fiquei intrigado com a situação.
Passou um filme na minha cabeça: se fosse comigo, eu arriscaria fazer ali, sob pena de entupir a privada, ou enfrentaria o constrangimento de seguir para o térreo, com todo mundo sabendo minhas reais intenções no banheiro?
O que traz alívio para a nossa reputação é que ninguém tem ideia da nossa motivação ao ingressar no WC.
Isso permite que as pessoas continuem se cumprimentando fervorosamente. O desconhecimento do que acontece no cubículo nos salva.
Ignorar a natureza das funções no recinto é um pacto social. Assim como não contar o tempo que se permanece em seu interior, se é rápido (número 1) ou demorado (número 2).
Eu fiquei pensando no dilema do vivente que entra desavisado em tal banheiro. Questiona onde é o próximo, diante do fracasso de seu projeto, suportando os olhares de censura, ou assume as consequências e reza para o encanamento colaborar?
Talvez o melhor fosse colocar o cartaz na porta, para assegurar uma escolha antecipada e consciente. Você ainda teria tempo de avistá-lo de longe, disfarçar, e somente recorreria ao banheiro quando se encontrasse já no piso inferior. Não mais seria vítima de alguma restrição.
Raciocinando com calma, o banheiro do segundo andar, para quem conhece ou frequenta o prédio, serve apenas para xixi. Ou seja, quem entra nele está predeterminado a atender uma expectativa. Existe um consenso pacífico de seus usuários.
O trauma ocorre exclusivamente para as visitas.
De acordo com essa perspectiva, resta-me concluir que a funcionária que me recomendou aquela porta jamais cogitou qualquer outro ato de minha parte, a não ser o básico. Considerou a minha condição de palestrante absolutamente inofensiva e amistosa.
O que eu não esperava era me deparar com a herança inconveniente de meu antecessor no vaso. Alguém havia burlado as regras e escapava impune. E eu, e eu não protegi a minha fama.