Já vimos no Rio de Janeiro o quanto uma ciclovia mal planejada pode ser letal.
Em abril de 2016, houve a queda da Ciclovia Tim Maia, na Avenida Niemeyer. Sua estrutura não resistiu à proximidade do mar e força das ondas e despencou num feriado, provocando a morte de dois frequentadores.
Quinze pessoas envolvidas diretamente na construção da ciclovia, seja na elaboração ou execução do projeto, seja na fiscalização da obra, foram condenadas pela Justiça em 2020, por negligenciar o estudo oceanográfico e costeiro, e levar adiante uma obra temerária, edificada às cegas do ponto de vista da hidráulica marítima e costeira.
Daí decorre a minha imensa preocupação com a ciclovia da Ipiranga, interditada desde 6 de setembro por conta de desmoronamentos na beira do Arroio Dilúvio. A prefeitura não determinou ainda o que fará com o trecho entre o Hospital Ernesto Dornelles e o shopping Praia de Belas, responsável pela ligação até a nossa orla.
Primeiramente, eu medito sobre a sua implantação. Não foi estudada a partir da gravidade das chuvas? Não foi previsto o seu colapso?
Afinal, o percurso consumiu o recurso de R$ 5,5 milhões em quase dez anos de construção. Experimentamos tempo suficiente para ajustes e prevenção de danos.
Parece que as autoridades se preocuparam com um lado, as tubulações subterrâneas de gás natural e os fios de alta tensão, e desprezaram um outro lado, o da possibilidade de erosão pelas cheias em terreno acentuadamente inclinado. Levantaram o cobertor para tapar a cabeça e deixaram os pés descobertos.
Construir uma nova ciclovia sobre a pista de rolamento, no lado oposto ao da faixa atual, custaria uma fortuna em investimento e traria transtorno, já que significaria começar tudo do zero.
Amargamos um impasse entre a esperança do conserto ou a confirmação tardia de que o local não é mesmo apropriado.
Evidentemente, com a suspensão do seu uso, evitou-se o pior: a repetição da tragédia carioca. Mas como dar continuidade ao uso da bike, hábito porto-alegrense que se consolidou com a pandemia?
Não tem como fingir a inexistência da alta demanda. Muito mais do que um esporte ou passatempo, é um meio de transporte que atende aos propósitos de deslocamento ao trabalho. Além disso, é menos poluente e favorável à saúde.
Meu receio agora é pelos ciclistas que andam entre os carros, sem proteção urbana, sendo xingados e arcando com riscos de atropelamento.
Pelo fluxo de pedestres na área, pedalar na calçada é inviável. Resta seguir na avenida Ipiranga com a bicicleta frágil e vulnerável, emparedada perigosamente pelos veículos. Até quando? Até o primeiro acidente?