Foi-se Zagallo para linha de fundo, para a esquerda de Deus, de pés descalços, levando as chuteiras desamarradas nas costas, para se despedir da vida com uma carreira perfeita, aos 92 anos, na noite de sexta (5).
Foi-se a lenda, a mitologia da paixão, a estátua viva do futebol.
Se Pelé foi o maior jogador de todos os tempos, Mário Jorge Lobo Zagallo foi o maior futebolista de todos os tempos, somando o que fez em campo e como treinador.
Foi-se o único tetracampeão mundial da história, bicampeão como jogador (Suécia 1958 e Chile 1962), campeão como técnico (México 1970) e campeão como coordenador técnico (Estados Unidos 1994).
Foi-se o soldado da Polícia do Exército, que trabalhou no policiamento do Maracanã lotado, quando o Brasil perdeu a Copa de 50 para o Uruguai em casa, e prometeu para si que levantaria a taça para os brasileiros inconsoláveis na época.
Foi-se a teimosia, o incansável, o Formiguinha, tricampeão carioca pelo Flamengo (1953-1955), o ponta recuado que combinou inteligência com resistência. Antes dele, o ponta esperava a bola. Depois dele, o ponta buscava a bola, ajudava na marcação.
Foi-se o corpo franzino em meio a gigantes, Davi brigando com tantos Golias, que compensou a falta de físico com superioridade tática e preparação física — pois atacava e defendia com igual eficiência.
Foi-se o cavalheiro, o gentleman, o jogo limpo e honesto. Em 16 anos de carreira como jogador, jamais foi expulso, raro vencedor do Troféu Belfort Duarte por ter atuado uma década sem nenhum cartão vermelho.
Foi-se o pioneiro, o primeiro a conseguir passe livre ao se transferir do Flamengo para o Botafogo. Ao lado de nomes consagrados como Nilton Santos, Garrincha e Didi, conquistou o bicampeonato carioca em 1961 e 1962.
Foi-se o terceiro homem, que ajudava a fechar o meio de campo, que não era artilheiro, mas sempre se mostrava decisivo, com 25 gols em 209 jogos pelo Flamengo, 32 gols em 300 partidas pelo Botafogo e cinco gols em 36 exibições pela Seleção —sendo um deles na vitória por 5 a 2 na final da Copa do Mundo sobre a Suécia.
Foi-se a liderança em campo que migrou para a casamata, o técnico mais novo a assumir a Seleção aos 39 anos, regente do tri do México. Ousado, montou um Brasil inesquecível, impactante, irrepetível, reunindo o que parecia impossível até então, cinco camisas 10 no time titular: Pelé, Gerson, Tostão, Rivelino e Jairzinho.
Foi-se o mentor do jogo sem a bola, em coreografias ensaiadas, privilegiando o posicionamento.
Foi-se o motivador de grupo, quem queria dar show além de ganhar, que pensava no torcedor que pagava ingresso.
Foi-se quem honrou a camiseta canarinho com o abrigo de treinador, comandando o país em 238 oportunidades, com 168 vitórias, 51 empates e 19 derrotas.
Foi-se o supersticioso que transformou o azar em sorte, adepto do número 13, pela devoção da sua esposa a Santo Antônio, celebrado em 13 de junho.
Foi-se a genialidade feita pela competência, nossa enciclopédia humana, folheada agora em sua última página.
Ficou famosa a sua declaração aos repórteres em 1997, após a vitória por 3 a 1, contra a Bolívia: “Vocês vão ter que me engolir!”
Hoje teremos que engolir as lágrimas.