Minha mãe, se fala publicamente de um filho, tem que falar dos quatro. Nunca fala de um isoladamente. Se comenta como eu me encontro para uma amiga dela, logo manda relatórios da Carla, do Rodrigo e do Miguel.
Às vezes, parece que somos gêmeos da informação. Surgindo por uma diferença de minutos do verbo materno.
Talvez seja esta a maior proeza dos pais: não tomar partido, não favorecer nenhum dos seus rebentos. É uma moderação que exige alto poder de concentração.
Você passará a educação inteira na corda bamba, mantendo-se na linha reta de um fio tenso, sobre o abismo da implicância.
Os filhos não facilitarão o trabalho, fazendo intrigas, provocando para que se adote um lado enquanto se engalfinham, reclamando que o presente de aniversário de um deles foi muito melhor ou mais caro.
Os elogios devem ser igualitários, as críticas devem ser padronizadas. Carinhos e farpas são porções diárias distribuídas harmonicamente. Se você abraça um, tem que abraçar o outro. Se beija um, tem que beijar o outro.
É viver abafando contradições, engolindo desaforos, controlando arrebatamentos, democratizando confidências.
Você exercita a plenitude do amor com cada uma de suas crias, cuidando para não ostentar um favorito.
Maternidade e paternidade não são para amadores. Pratica-se uma invisibilidade do coração, quase uma missão secreta da sensibilidade, jamais dando a entender algum tratamento especial.
Filhos têm fases, períodos efusivos em que se mostram mais próximos e momentos distintos e refratários em que se encasulam na distância. Não há recepção constante da parte deles, o que prejudica a performance. Filhos brigam, discutem, ficam de mal. E, mesmo nessa hora, você, como responsável, necessita se manter disponível e continuar com a atenção de antes, impedindo que os aborrecimentos alterem o seu julgamento ou agravem os impasses episódicos.
Há evidentes respingos de injustiça, efeitos colaterais de uma busca incansável por simetria.
Um filho inocente é castigado por estar junto de quem realmente cometeu a traquinagem. Não existe como definir o verdadeiro culpado, portanto a turma inteira acaba trancada no quarto. Sem delação, condena-se o grupo.
Já paguei pecado pelos meus manos, meus manos já pagaram pecados por mim.
Nas viagens, ou vão todos ou nenhum vai. Na hora da sobremesa, ou comem todos ou nenhum come.
Você somente pode oferecer o monopólio provisório na preocupação, quando um filho enfrenta alguma crise, ou desespero, ou dificuldade pessoal ou profissional. É a única exceção para privilegiar alguém e exagerar na repetição de um nome nos telefonemas e nas conversas. É aquela ressalva da reza:
— Estou rezando pelo meu filho…
Minha mãe tem medo de destacar sua predileção. Ela até que dissimulou com talento ao longo dos anos, escondeu sua eleição afetiva com competência.
Só que Rodrigo, Carla e eu já sabemos que ela mima o Miguel. Não é ciúme, e sim um fato incontestável por amostragem de citações no WhatsApp.
Ela compartilha mais vídeos dele, conta mais piadas dele e sempre confessa o seu orgulho pelo mais novo do quarteto.
Mas perdoamos: o caçula realmente precisa de uma compensação por ter sido o último a receber o seu próprio quarto, a obter o seu espaço e a sua independência, a sair de casa.
É usucapião: permaneceu debaixo da saia materna para merecer a primazia.