Você sempre fica pensando o que poderia ter dito antes de se despedir de um afeto. Fantasiando frases, declarações de amor.
Você gostaria de ter falado palavras bonitas, tocantes antes da partida, que fossem lembranças invencíveis da sua ternura.
Mas a morte rouba as nossas palavras. A morte é o nosso completo silêncio. Um jejum da linguagem.
Nas vezes em que estive com alguém à beira da morte, eu não consegui falar nada. Nada. As palavras não saíam. Eu me afogava no abraço, ou as lágrimas molhavam o meu texto ensaiado.
O que calamos na despedida, no leito do hospital, vamos revelar no enterro para os outros.
Nos momentos de maior emoção, sempre ficaremos mudos.
E não é uma incompetência sentimental, acontece com todos.
Ou porque você não quer que o enfermo se esforce com os murmúrios, que sofra ainda mais respondendo, ou porque há tanto por dizer no fim de uma existência que você não sabe por onde começar.
O que calamos na despedida, no leito do hospital, vamos revelar no enterro para os outros.
Morrer é ser admirado pelas costas. Uma covardia frente a frente no estertor e uma admiração corajosa pelas costas, na ausência.
Tanto que eu vejo o enterro como a última sessão de cinema de uma vida.
Cada um que entra no velório é, ao mesmo tempo, personagem e espectador de uma biografia que não irá se repetir.
Ao redor do caixão, é projetado um filme dentro de cada olhar de saudade ali presente.
Sentamos nas cadeiras, escorados na parede, e lembramos as principais cenas de uma trajetória singular.
Assim como não se nasce impunemente, tampouco se morre sem homenagem, nas lacunas do esquecimento.
Apesar da dor, existe uma urgência de não desperdiçar a chance de expor o que sabemos a respeito do morto. Ansiamos acrescentar um capítulo inédito no roteiro.
Não importa quem conheceu mais ou menos o falecido, quem era mais próximo ou mais distante. O fim torna qualquer um íntimo. O pesar não cobra ingresso.
Trata-se de uma expiação fundamental para montar o copião de uma história.
Ouviremos os relatos dos confidentes e familiares, e nos daremos conta de que não conhecíamos tudo a respeito de quem se foi. Há fertilidade debaixo da terra.
Entre as conversas e os pêsames, desvelaremos uma nova faceta do nosso afeto. Vamos até rir de modo impróprio de um causo ou de uma piada inéditos. Por isso, gargalhadas interrompem choros em solenidades fúnebres.
Talvez descubramos que aquele homem sério no trabalho se atirava ao chão com o seu cachorro em casa, que aquela mulher tímida no casamento costumava soltar a voz em karaokês na universidade.
Não deixe de se despedir de um amigo. Os velórios são salas de cinema. Será a primeira vez que assistirá a uma vida por inteiro.