Avós são ninjas. Avós estão sempre adiantados nos acontecimentos.
Não têm aquela ansiedade terrorista. Agem com vagar, convictos das soluções, profetas da gentileza e do otimismo. Enxergam além das dificuldades momentâneas do crescimento das crianças e da sua adaptação ao mundo.
Os problemas dos filhos na escola que parecem insolúveis aos pais são contornáveis para os avós. Vivem dizendo: “questão de tempo, pegará jeito”.
Na minha infância, a diferença já se mostrava no café da manhã.
Meus pais preparavam o desjejum quando meus irmãos e eu acordávamos. No exato momento. Havia aquela confusão na cozinha de frigideira, torradeira, potes abertos, caixinhas destampadas, chiado de chaleira. O ambiente se estreitava com os nossos tradicionais esquecimentos, as várias mãos na torneira, as mochilas da escola nas costas impedindo a passagem e as portas abertas do armário. Mergulhava num caos coletivo de atrasos.
Quando eu dormia nos avós, já reinava a paz. Porque o café estava pronto antes de eu levantar. Tudo servido. Tudo na mesa. O pãozinho, o bolo, os ovos mexidos no prato com a tampa da panela por cima, o bule com o leite quente. Experimentava a ordem do planejamento. Eu me sentia desejado, encaixado, com a quietude respeitada.
Com os pais, tinha que falar logo cedo, tinha que rir logo cedo das piadas para não ser taxado de emburrado, tinha que tirar as remelas dos olhos logo cedo. Não poderia demorar para responder a qualquer pergunta, ainda que dormindo, ainda que bocejando.
Com os avós, não precisava fazer nada, só ser quem eu era naturalmente. Só fui conhecer o silêncio na casa deles. Só lá encontrava paz para acordar e pensar.
Eles se antecipavam aos meus movimentos. Estavam de pé antecedendo ao sol, sem que eu percebesse qualquer barulho, e deixavam o banquete pronto.
Nem um hotel seria tão previdente. Com os pais, estava habituado ao tumulto, à algazarra, ao vaivém dos irmãos, ao carro buzinando.
Quando pousava nos avós, os aflitivos segundos se convertiam em acalentadas horas. É como se eles soubessem de cor e salteado a hora certa do nosso despertar. Possuíam um alarme nas pálpebras, um despertador no corpo, um galo cantando nos ouvidos.
Nada estava frio. Nada estava fora do lugar. Num átimo, acontecia a saída deles para a minha entrada em cena.
A almofada de flanela da cadeira se mostrava ainda aquecida. Até porque eles já tinham tomado café um pouco antes.
Eu me recordo com carinho das tábuas carameladas do piso; das paredes pintadas de verde-água, o matiz predileto das casas do interior; da reprodução da Última Ceia, de Da Vinci; e dos panos de prato com desenhos de uvas e tiras coloridas bordadas nas pontas.
Pais são manhã. Avós são madrugada. Pais são o sal das obrigações. Avós são o açúcar do cuidado.