Há homens que merecem ser enterrados com poncho, dormir para sempre agasalhados com a lã crua do pampa por tudo o que fizeram pelo seu pago.
Como Luiz Carlos Borges, que nos deixou aos 70 anos, na quarta-feira (10).
Há músicos que devem ser sepultados com seu instrumento ao lado. Em um caixão à parte.
É também o caso de Borges, pois sua gaita alcançou as honrarias de um ser pensante.
Os dois formavam um centauro: Borges representava a metade homem; a gaita, a sua metade cavalo. Quando ele cantava, cavalgava para longe com suas canções clássicas Baile de Fronteira, Tropa de Osso, Florêncio Guerra e Romance na Tafona.
Talvez tenha sido quem melhor musicou o nosso minuano, quem foi mais veloz na cancha reta de um palco.
Fez jazz com o nosso sotaque. Seu chamamé nos tocava como um cafuné. Acalmava até os corações mais haraganos.
O artista de Santo Ângelo, lenda da Califórnia da Canção Nativa e do Musicanto, já nasceu pilchado. Já nasceu de chapéu. Já nasceu com microfone na lapela. Já nasceu afiando as esporas e o punhal da guaiaca. Já nasceu em batalha, desde os nove anos se apresentando. Era o nosso Luiz Gonzaga, nosso Sivuca.
Nem o aneurisma em 2019, que limitou os movimentos da mão esquerda, o impediu de tocar. Sua resiliência apenas projetou ainda mais a sua grandeza, com um legado de 35 álbuns, 269 composições e 720 gravações.
Em suas letras, temos a reconstituição de todas as fases de vida de um campeiro. Sua obra é o diário de um vivente crescendo no interior do Rio Grande do Sul.
Vemos a descrição da infância na querência, entre poentes e piquetes, com carro de lomba e trator de corticeira, bodoque e banho no açude, tropa de bois, ovelhas e potros de brinquedo inventados a partir de pequenos ossos.
Testemunhamos os bailes da juventude, quando é necessário dançar com a manha no corpo, sapatear com tranco de sapo baleado e jeitão de jaguaretê.
Acompanhamos a rotina de peões e laçadores, capazes de quebrar bem o cacho. Dos romances com a oferta de carona no lombo e de banho de lua cheia. Das despedidas ásperas dos amores, amargando a insônia das estrelas, dos versos e das guitarras.
Observamos o amadurecimento da sátira e da ironia, com as críticas aos velhos amigos que trocaram a bombacha pelo brim e traíram as suas origens.
Adentramos na velhice, no território movediço da saudade, da nostalgia batendo forte no peito pelas reminiscências de um tempo ancestral, puro e simples, em que a coragem residia no braço, a lealdade estava num par de cachorros e a inteligência se mostrava manejando uma corda.
Luiz Carlos Borges era do sul. Era só olhar para ver que ele era do sul. De uma terra com céu azul. De poesia e arado. De gado e plantação. De fado e oração.
Era chama de tanto sonhar composições e arranjos ao relento diante da fogueira.
Hoje a cordeona chora, e o nosso olhar de vidro se quebrou. Está aos pedaços, em lágrimas, sem remendo, em cacimbas.