Quem já não se encantou com uma atriz ou um ator, quem já não afixou pôster de um cantor ou de uma cantora na porta do quarto sonhando em casar e ter filhos, quem já não se viu groupie de uma banda colecionando letras e encartes dos seus shows?
Não há nada mais puro do que os amores platônicos de criança. E nada mais sofrido.
Minha primeira paixão foi minha fonoaudióloga, aos oito anos. Afinal, Zulmira salvava o céu de minha boca. Ela organizava a minha respiração: eu inspirava pelo nariz e soltava o ar pela boca, pertinho de seu rosto.
Ela fazia com que soprasse velas de aniversário para a minha voz, comemorando cada pequena vitória da pronúncia, cada superação dos obstáculos anasalados do som.
Zulmira tinha paciência com os meus erros. Ao contrário de meus colegas, não debochava de minha dicção. Permanecia uma hora brincando comigo, longe de qualquer sinal de tédio, e me tratava com genuíno interesse. Eu jamais havia encontrado igual cumplicidade no recreio da escola ou em algum trabalho em grupo.
Ela se interessava pelos meus sonhos, pelos meus dentes de leite, pela minha sensibilidade retraída, de poucos amigos.
Talvez tenham sido os raros momentos da infância em que não me sentia tímido, encabulado com os meus defeitos, mas suficientemente capaz de expressar minhas emoções por inteiro.
Eu repetia de três em três os meses do ano:
— Janeiro, fevereiro, março;
— Abril, maio, junho;
— Julho, agosto, setembro;
— Outubro, novembro, dezembro.
Fantasiava com as estações de seus cabelos cacheados, com as folhinhas do calendário sendo arrancadas ao seu lado.
Eu pensei que me casaria com ela, apesar dos vinte e cinco anos de diferença.
Quando ela me convidou para seu aniversário em sua casa, eu pisei nas nuvens. Levitei. Havia esperança de reciprocidade. Entraria em sua vida pessoal, além das consultas profissionais. Poderia vê-la sem óculos.
Eu jamais havia encontrado igual cumplicidade no recreio da escola ou em algum trabalho em grupo.
Lembro que quebrei meu porquinho, juntei todas as moedas para comprar seu presente. Não quis economizar com nada. No amor, ninguém é avarento.
Pela primeira vez, usei gravata borboleta e sapatos.
Apertei a campainha de sua residência, observando com atenção os ladrilhos da varanda, imaginando que moraria ali pelo resto da vida.
Só que quem me recebeu, quem abriu a porta, foi seu marido.
Ela tinha marido. E ele não era criança. Não restava chance de competir com a sua altura. Na hora de dançar, ele desfrutava de igualdade nos ombros.
Conheci o que era fossa. Não consegui disfarçar o desgosto, o mesmo travo amargo do palito segurando a minha língua na sessão de fonoaudiologia, sem o doce do picolé.
Com a dor ferida da paixão, com a raiva reprimida, com desejos esquisitos de vingança, eu finalmente aprendi a dizer num único fôlego: “o rato roeu a roupa do rei de Roma”.
Estava com o coração esfarrapado. Em compensação, falando muito melhor.