Na minha adolescência, eu fazia disputa com os amigos de quem comia mais pedaços de pizza. Nos anos 80, havia rodízios tradicionais em Porto Alegre, como Royal Palace e Chuca.
Ficávamos no restaurante até estrebucharmos. Valia tudo para ganhar o cinturão de pesos pesados: abrir botão da calça, tomar Eno ou Engov. Nem conversávamos muito, tamanha a preocupação em pontuar com uma fatia a mais. Marcávamos na toalha de papel da mesa os risquinhos de cada pedaço. Ou controlávamos o andamento com pingos de mostarda na borda do prato.
Íamos em grandes grupos, de dez ou quinze colegas de escola, juntando várias mesas. Lugar para dois, para casalzinho, representava uma raridade.
Tratava-se de uma desforra da nossa juventude, momento único em que nos libertávamos da vigilância dos pais para ensaiarmos uma emancipação adulta.
Colocávamos nossas melhores roupas, caracterizadas por calças jeans e camisetas com estampas de surfe.
Não se negava nada. Eu aceitava até as exóticas pizzas de milho e de estrogonofe.
A competição se dava em duas rodadas, com as salgadas e com as doces entre escandalosos 40 sabores.
Permanecíamos, sem brincadeira, por mais de três horas no local. Coitado de quem mofava na fila da entrada por um cantinho.
Começávamos, educados, usando os talheres. No fim, já estávamos pegando as massinhas triangulares com as mãos, sem vergonha nenhuma.
Quando vinha a série sortida de chocolate, banana com doce de leite, branquinho e coco queimado, alguns dos colegas já haviam desistido e jogado o guardanapo na mesa.
Meu recorde foi de 33 pedaços, mas, por consequência, passei mal durante uma semana. Minha intolerância à lactose deve ter nascido naquele concurso.
Em vez de ônibus, o correto seria voltar para casa de Samu.
Integrava o grupo dos intermediários do apetite. Não cheguei sequer perto do escore do Liquinho, que abocanhou numa única, lendária e inesquecível noite a fabulosa cota de 49 fatias. Lembro que sua marca recebeu aplausos de toda a equipe de atendimento.
Meu recorde foi de 33 pedaços, mas, por consequência, passei mal durante uma semana. Minha intolerância à lactose deve ter nascido naquele concurso.
A Chuca virou uma febre e contou com várias unidades na capital gaúcha, denominadas por números romanos: I, II, IIII, IV, V e VI. A mais conhecida era a primeira, na Venâncio Aires, apelidada de “a mais nova namorada do Portinho”.
Os garçons, frenéticos, incentivavam a gula com rimas: “de calabresa que é uma beleza”, “de palmito para ficar bonito”. Também faziam piruetas com as formas e pegadinhas, fingindo espremer uma bisnaga de catchup na camiseta do cliente quando, na verdade, arremessavam canudinhos vermelhos.
Aparecíamos sempre para aproveitarmos alguma promoção: quem levava três acompanhantes não pagava, ou quem estava de aniversário no dia tinha refeição grátis e apenas acertava a bebida.
Levávamos dinheirinho contado. Respeitávamos o cartaz no caixa avisando que o estabelecimento não aceitava cheque.
Sinto saudade daqueles velhos e pueris tempos de nossos banquetes, que deixavam orgulhoso Santo Antão, protetor do forno.
Saíamos de lá de braços dados para não rolarmos, com o antissocial bafo da pizza alho e óleo.