Minha mulher desistiu de passar protetor solar em mim. Não compensa a permuta. Eu ficava livre de qualquer queimadura, e ela aparecia com as costas avermelhadas, resultado da minha completa imperícia.
Era uma troca de carinhos que não funcionava para ela. Arcava com sérios prejuízos. Enquanto eu ostentava um dorso dourado, ela apresentava vergões da minha falta de cuidado.
Hoje eu preciso me virar, adotei camisa UV longa para não me preocupar com o assunto.
Homem confunde filtro solar com pomada. O que tem de pato, ganso, cisne nas praias gaúchas, de com camadas e camadas mal espalhadas.
O modo desengonçado masculino começa na pouca intimidade que tem com a retirada do produto do pote.
Não existe meio-termo. Ou ele passa demais, ou passa de menos. Ou exagera, ou se omite.
Sequer o prático spray resolve. Em vez de borrifar o produto no quarto ou em ambiente fechado, ele decide usar o spray quando chega na orla, para o Nordestão engolir suas nuvens perfumadas.
Há uma incompetência inata que deveria ser estudada.
Em caso do creme, metade do protetor permanece entre os dedos da rapaziada. Certo que o que não queima é a palma da sua mão.
O problema é a má vontade que vem da infância. Não conheço amigo que comemore as façanhas do protetor solar — utiliza-o de modo obrigado, contrariado, de qualquer jeito, tateando a pele às pressas, longe do espelho.
A mulher já considera o ato familiar e natural, está acostumada aos mais variados hidratantes: antes do banho, no banho, após o banho, desde as unhas até a raiz do penteado. Não há região epidérmica de que ela não cuide com perseverança e zelo.
O modo desengonçado masculino começa na pouca intimidade que tem com a retirada do produto do pote. O creme é espirrado no chão, na cama, nas paredes, no teto, menos na pele. De sua passagem, larga vestígios do protetor no tapete e nos lençóis. Desperdiça grande parte do valioso conteúdo.
Diferentemente, a mulher dá umas palmadas certeiras e firmes na bunda do pote e retira o volume que deseja com a maior tranquilidade do mundo. Tem um medidor de quantidade entre as unhas.
As explicações no rótulo também terminam desprezadas pelos marmanjos, escolhem o número do filtro como se fosse jogo do bicho. Acha que ele consultou um dermatologista antes? Procura o médico apenas para remediar as consequências do sol inclemente e desprevenido.
Homem é genérico, mulher é farmácia de manipulação. Homem é remédio vencido, mulher é projeto de dermatologista.
O homem coloca uma vez protetor e pensa que está protegido por todo o veraneio.