As melhores brincadeiras eram imaginárias, sem nenhum brinquedo, a não ser a fantasia e a observação.
Meus irmãos e eu, no entardecer, ficávamos na varanda de casa tentando adivinhar qual carro passaria em nossa rua. Naquele tempo, no fim dos anos 70, pouquíssimos veículos trafegavam pelo bairro Petrópolis. Precisávamos acertar o modelo do carro pelo barulho do motor e a cor pela intuição.
Anotávamos os pontos de cada um num caderninho. Era o nosso Stop profético.
Repetíamos o ritual todo dia, afinando os ouvidos como cães para a encosta da nossa lomba, na altura do armazém do Seu Alencar. Quem iria subir a rua Lageado? Quem iria descer?
Aplaudíamos os acertos, vaiávamos os erros. Às vezes, vinha uma carreta trôpega como zebra para arruinar os nossos palpites.
Quando um Porsche vermelho cruzou a nossa frente a 200 km/h, como um cometa, foi um bafafá, só falávamos disso por um mês. Ninguém viu direito e não tínhamos certeza da veracidade de sua fantasmagórica aparição.
Corcel, Opala, Chevette, Brasília, Fusca, Fiat 147 ou Panorama ocupavam as nossas fantasias de meninos que sonhavam em ocupar a cabine de motorista algum dia.
O Maverick, o mais raro entre os básicos, porém mais comum que um Porsche, representava o nosso coringa. Se alguém apostasse nele e acertasse, ganharia o jogo, não importando os pontos acumulados.
Nossas diversões não encontravam concorrentes na realidade. No sábado, íamos com toda a família ao aeroporto Salgado Filho para acompanhar a partida e a chegada de aviões na pista. Jamais cogitávamos embarcar em um voo, objetivo inatingível para a nossa renda, tal como querer ser astronauta.
Abríamos as nossas cadeiras de praia no gramado, perto do alambrado, e permanecíamos ali por duas ou três horas observando as manobras das aeronaves e apontando com o dedo quando uma delas subia aos céus ou aterrissava sobre as nossas cabeças.
Havia jatos silenciosos e enigmáticos formando nuvens em seus caminhos. Nunca decifrávamos onde paravam.
Havia o estardalhaço de helicópteros que produziam um vento quente e um terremoto em nossos cabelos.
Não estávamos sozinhos, outros pais e filhos desfrutavam do costume e se posicionavam ao nosso lado, numa caravana quilométrica.
Aproveitávamos o observatório a céu aberto para realizar um piquenique de café da manhã. Dividíamos sanduíches de mortadela embrulhados em papel alumínio e bebíamos Nescau usando a tampa da térmica. Depois enganávamos a fome com o chimarrão até chegar a hora do almoço.
Naquela época, eu acenava para aviões. Jurava que os passageiros estavam nos vendo.
Saboreava a felicidade da simplicidade. Eu me sentia importante pelos meus sonhos, não somente pelas realizações.