Podemos ver várias mudanças de comportamento no litoral nos últimos dez anos.
Existe uma disputa mais equilibrada entre tendas e guarda-sóis. Tendas eram utilizadas como reinos de pano de famílias ricas. Recentemente ocorreu uma popularização do suporte.
Dizem que as famílias mais fofoqueiras ficam em tendas, já que permanecem por mais tempo na praia. Isso são intrigas palacianas. Ou melhor, praianas.
A ocupação não é mais restrita ao turno da manhã, mas se estende pelo dia inteiro. A tarde é tão concorrida quanto o amanhecer. Em tempos passados, depois das 15h, a extensão da areia se transformava num pacato deserto.
A esteira de palha está extinta, substituída por cangas enormes e cadeiras reclináveis.
O que não mudou? Água gelada do mar e rosetas na grama na hora de jogar futebol.
Ninguém mais carrega cadeira e guarda-sol na mão, expirou aquela necessidade de ser obreiro, pedreiro dos castelos da criança. É tudo transportado com carrinho de mão que vira mesa. Praia é um novo supermercado, com corredores de bebidas intermináveis.
Você tem direito até a champanhe à beira-mar. A tradicional caipirinha de Velho Barreiro perdeu o seu monopólio. Com o preço disparado do coco, o champanhe fica em conta.
Para não ter prejuízo, a turma leva seu cooler com bebidas geladas, herança dos hermanos no nosso território.
Foram feitas passarelas para chegar à praia. Não precisamos mais atravessar as dunas, afundar os pés e extraviar o boné ou o chapéu pelo vento nordestão no caminho.
O percurso de antigamente parecia um rali, com crianças rolando e idosos atolados. Nada disso mais acontece.
O céu também mudou com os espigões. O povo está bem dividido entre casas e apartamentos. Na cartografia de outrora, predominavam casas.
As pessoas jogavam frescobol ou futebol perto da água. Hoje preferem jogar afastadas para evitar boladas perdidas em quem caminha. Vejo mais quadras de beach tennis do que de vôlei e futevôlei. A rede baixa denuncia a tendência.
Os quiosques não desfrutam da exclusividade do som. Todo mundo leva sua caixinha. Cada um faz o seu baile. Listas do Spotify são reprisadas interminavelmente como em lojas.
Mulheres montam biquínis com peças diferentes para a parte de cima e a de baixo. Não são mais vendidas em dupla, rompeu-se a obrigatoriedade de adquirir o conjunto.
Homens gastam as suas camisetas do Grêmio e do Inter. A orla entre os marmanjos lembra um Gre-Nal. É um fardamento básico de banho masculino junto dos bermudões coloridos.
Não vejo nenhum animal pré-histórico com a tradicional sunga preta do meu pai e do meu avô.
As bandeiras avisando o humor e o temperamento das ondas não têm as mesmas cores de antes. Eu cresci com a bandeira branca para indicar mar manso (apenas a vi uma vez na vida), amarela para mar calmo, vermelha para mar nervoso e preta para mar violento. Atualmente o aviso é igual a um semáforo: verde é tranquilidade, amarelo é atenção e vermelho é perigo. Ainda não me acostumei. Fui mergulhar no amarelo livre da minha infância e engoli água no amarelo vigente da advertência.
Eu mantenho algumas nostalgias sonoras. Quero-queros continuam calçando as suas pantufas e protegendo os seus filhotes com gritos agudos. Cigarras seguem com as suas serenatas pela madrugada afora.
Sinto falta do ambulante do puxa-puxa (“puxa-puxáááá”) e do vendedor do jornal Zero Hora de bicicleta (“Zerôôô”). Eram barulhos afetivos que anunciavam o despertar e a sesta.
O que não mudou? Água gelada do mar e rosetas na grama na hora de jogar futebol. Aliás, chá de roseta ajuda na impotência. Portanto, nunca sofrerei desse mal com tantos espinhos guardados na sola do meu pé. A roseta já está no meu sangue.