Cristiano Ronaldo, quando não faz gol, ainda faz gol.
Ele ultrapassou oitocentos gols na carreira, de tudo o que é jeito: de trivela, de calcanhar, de letra, e até de bicicleta pelo Real Madrid em quartas de final da Liga dos Campeões contra o Juventus, uma das mais perfeitas pedaladas no ar da história da competição europeia, com o pé muito acima da cabeça do defensor.
Agora fez um gol que nem mesmo Pelé conseguiu: um gol de corta-luz.
O capitão lusitano, cinco vezes melhor do mundo (2008, 2013, 2014, 2016 e 2017), único jogador a marcar em cinco Copas, não precisou tocar na bola para ela entrar contra o Uruguai.
Mas a bola só entrou porque ele se posicionou na frente do goleiro uruguaio Sergio Rochet e empreendeu o movimento de cabeçada que camuflou o quique da pelota lançada por Bruno Fernandes, seu sucessor no reinado português.
Já tinha visto tudo o que é gol, até de barriga de Renato no Fluminense, mas jamais um gol tão poético como o do Cristiano Ronaldo, um gol que é heterônimo de Fernando Pessoa, um gol que é verso de Camões, um gol que “é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer”.
Um gol de espírito, um gol de sopro, um gol de alma. Um gol ausente feito de uma presença assustadora na pequena área, do medo do arqueiro diante da lenda em carne e osso.
Um gol de cortina. Um gol que não permite a zagueiro algum entender o que está acontecendo.
Cristiano Ronaldo diz ter roçado na bola, talvez tenha comprovado a eficácia do seu gel e de seu penteado imutável. O atrito sequer desalinhou os seus cabelos, e deu a impressão de que não houve o contato. Quem sabe…
Na súmula da Fifa, o crédito foi para Bruno Fernandes, mas não é verdade. Não só do visível vive o futebol. O gol é de Cristiano Ronaldo, um gol sobrenatural, derivado de sua astúcia, de seu posicionamento, de sua mímica.
Hoje sem time, mas imbatível com a camiseta vermelha e verde, campeão de uma heroica Eurocopa, merece ter a sua autoria legitimada.
Com esse gol inusitado, imprevisível, ele se iguala a Eusébio como maior artilheiro da seleção portuguesa em Copas do Mundo (o Pantera Negra tem nove gols no Mundial de 1966).
É mais um recorde na sua trajetória profissional de superação. Aos quinze anos, ele foi diagnosticado com um problema no coração, quando estava na categoria de base do Sporting, e aconselhado a abandonar as chuteiras. Atravessou uma cirurgia e voltou a treinar, porque diagnóstico não é destino.