A verdade dói em mim, mas a mentira machuca o outro.
Ainda prefiro a verdade.
É triste viver se justificando e não assumir o que aconteceu.
— Não é que eu tropecei, estava chutando uma pedra.
— Não é que eu roubei, peguei emprestado.
— Não é que eu me esqueci da data, preparava uma surpresa.
— Não é que eu menti, estava brincando.
— Não é que eu recebi um fora, forcei o término.
— Não é que eu colei, estava procurando ver as horas.
— Não é que fui grosseiro, era uma piada.
— Não é que sou teimoso, não posso ceder com facilidade.
O faz de conta logo desliza para a irresponsabilidade afetiva. Quem dá desculpas não amadurece. A culpa não é boa conselheira, sempre busca fraudar o cotidiano e adulterar os fatos.
Existirá um adiamento da experiência, jamais transformando adversidades em lições.
Todos percebem quando exageramos, recusamos as evidências, fugimos da realidade, ignoramos os nossos erros e falhas.
Talvez um dos melhores aprendizados de honestidade em minha vida tenha vindo da infância: fazer somente o que eu poderia cumprir.
Meus irmãos e eu tínhamos que limpar o prato. Não poderíamos sair da mesa sem limpar o prato. Permanecíamos lá toda a tarde, toda a noite se fosse o caso.
Não adiantava esconder o gibi debaixo da mesa. Distrações não eram permitidas.
Você precisava se servir somente com o que realmente comeria. Qualquer colher a mais seria cobrada.
Não poderia ter o olho maior do que a boca, ou se sentir melhor do que a refeição, esnobando o valor de cada alimento.
A gula ou a ambição correspondiam a pecados mortais.
O almoço e o jantar começavam com a oração, e só terminavam com a gratidão.
Em casa, era assim: nunca desperdiçar comida. Ficávamos na mesa o tempo que fosse até não sobrar nada, nenhum molho, nenhuma mancha na louça.
Nem existia micro-ondas na época. Ou engolíamos o alimento frio junto do orgulho, ou não recebíamos permissão para nos levantar.
Os pais dispensavam pirotecnias de persuasão, como o uso do recurso do “olha o aviãozinho!”. Mordomia de aeroporto? Nem pensar. A pressão surgia do castigo mesmo, da rodoviária do silêncio, da espera angustiada pelo retorno do apetite.
O máximo de apoio oferecido partia da mãe, quando nos via enrolando, ganhando tempo, espalhando as porções para as bordas. Alegava que a comida iria chorar com o nosso desprezo.
O feijão choraria, a cenoura choraria, a couve choraria, o bife choraria.
Na primeira vez que fui a um bufê a quilo, levei um susto. Não sabia como reagir diante de tamanha oferta. Para mim, era um velório. Toda aquela montanha de comida chorando.