É de conhecimento geral que há o choque de voltar ao trabalho presencial depois de dois anos de home office. Você está desabituado com a sua mesa, com as rápidas pausas para ir ao banheiro, com os cumprimentos do corredor, com o ritmo alucinado de telefone tocando, celular chamando e tela piscando mensagens ao mesmo tempo.
Raros conversam a respeito, mas também existe o impacto de ficar longe de quem você ama após o período de isolamento social dentro de casa.
Assim como houve casais que se separaram com a pandemia, descobrindo que escolheram mal o parceiro diante da experiência de onipresença, houve também casais que consolidaram a intimidade nas adversidades, viveram de perto o medo de morrer e entenderam o valor do espírito de equipe no casamento. Agora, esse segundo grupo está penando com o retorno da normalidade.
Eu venho sofrendo a abstinência de Beatriz. Almoçávamos e jantávamos juntos, curtíamos o lanche do intervalo lado a lado, pedíamos conselhos sobre as nossas demandas, ouvíamos os problemas de cada um e dávamos incentivos mutuamente. Foram vinte e quatro horas colados meses a fio. Saímos pouco: realizávamos caminhadas, frequentávamos mensalmente o supermercado e circulávamos com o carro para que a bateria não morresse pelo desuso.
Nosso maior prazer era aproveitar o sol na varanda, revezando o colo, espiando os vizinhos.
Pela primeira vez em anos, fiquei meio mês distante de minha esposa devido às palestras.
Sou como um adolescente desajeitado viajando sozinho. Eu desaprendi a rir longe do espelho de suas reações. Eu a amo muito mais do que antes.
Sem a sua conchinha, sem o perfume da sua pele, tenho dificuldade para dormir. Nem sinto vontade de vestir o pijama — não há graça nos rituais de sempre.
Eu desperto de madrugada procurando o seu dorso no lado oposto da cama.
Vejo que ela acalma a minha respiração. A gratidão a dois suaviza os sonhos.
Sem a sua companhia no café da manhã, eu não tenho o mesmo apetite — sou capaz de comer de pé, folheando rapidamente o jornal. Ficar sentado sozinho é como trair a nossa memória.
Eu me pego pensando várias vezes ao dia no que ela deve estar fazendo. Telefono apenas para ouvir a sua voz. Mostro por onde ando em chamadas de vídeo. Se me encontro num restaurante, chego a apresentar o cardápio para descobrir o que ela pediria.
O nome disso não é dependência, mas saudade, cumplicidade na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza.
Percebo que nosso casamento somente se fortaleceu com a proximidade — a convivência cresceu em admiração. Só sobrevivemos porque um cuidou do outro, um vigiou os excessos do outro.
Há um reconhecimento das privações e renúncias minhas e dela, do quanto somamos os nossos esforços e reduzimos as nossas contas para não passarmos dificuldades financeiras.
Salvamo-nos da ansiedade de não poder sair para a rua e transformamos as quatro paredes em compreensiva amizade. E amizade é a base do amor.