Quando você perde um filho, não tem como ocupar o quarto dele novamente. É diferente da reorganização do espaço com o luto de um pai, de uma mãe, de um marido ou de uma esposa. A casa encolhe, o corredor é abruptamente encurtado, o trânsito é desfeito para um dos aposentos. Uma ponte foi derrubada entre as duas pontas da construção e dos afetos.
O quarto desaparece. Será um dormitório a menos para sempre na planta residencial.
Você não consegue transformá-lo em escritório, ou repassá-lo para um irmão, ou usá-lo como depósito. É uma porta fechada. É um santuário de uma ausência. É uma capela da amargura.
O pai e a mãe enlutados vão demorar para entrar em seu território. Para não desabarem em choro, para não serem tragados pela sucção do soluço.
Não existe preparo algum para visitar a falta de esperança, a extinção de uma biografia.
Não irão conseguir mexer nas gavetas, tirar qualquer coisa do lugar. Não apanharão um livro, não ajeitarão a bagunça, não organizarão os sapatos e tênis debaixo da cama. Pode ter uma camisa no chão que não será levantada.
A curiosidade não supera o sofrimento.
Ainda que sintam a garganta seca, a sede de saber sobre os últimos pensamentos, as últimas anotações, as últimas mensagens, as últimas ações de quem partiu, não terão coragem de alterar a cena da saudade.
Ela seguirá intacta até o fim dos dias. Porque invadir a privacidade é aceitar a morte.
Nenhum pai, nenhuma mãe admite os pêsames. Fingirão que o filho está longe ou viajando. Fingirão que ele está ocupado demais para mandar notícias.
Se acreditarem na despedida, não suportarão a dor. Enganar-se, nesse caso exclusivo da existência, é sobreviver. É a única mentira perdoada por Deus.
Deixarão tudo do jeito que estava, esperando um milagre. Esperando ganhar tempo. Esperando que tudo tenha sido um grande e injusto equívoco.
Não abrirão nem as janelas, pois seria tirar um pouco do perfume do filho de dentro do ambiente.
Todos os quartos dos filhos mortos no mundo têm as cortinas fechadas. São frascos da presença. Não se permite que o vento entre e leve o cheiro da pele.
Sequer serão trocados os lençóis ou as fronhas dos travesseiros — permanece o calor do corpo debaixo da memória, debaixo das cobertas.
Não peça a eles que ressignifiquem a perda. Ela não pode ser transformada em algo maior. Não há algo maior do que o amor interrompido. Aceite a crueldade dos fatos: ninguém aprende nada com a morte do filho.