Se me perguntam quando eu me formei em Jornalismo na UFRGS, eu gaguejo para me lembrar. Preciso ir da primeira série até o fim da faculdade, com o apoio dos dedos, para chegar a uma data aproximada. Deve ter sido em janeiro de 1995, salvo engano. Porque fui pai no meio da faculdade, em 1993, quando nasceu Mariana.
Mas não me esqueço da música da minha formatura. Há um hábito gaúcho de cada formando escolher uma canção para ilustrar sua jornada de resiliência e de conquista. Minha esposa, que é mineira, por exemplo, não desfrutou desse privilégio. No seu Estado, era tocada uma única trilha para toda a turma de diplomados.
Talvez tenha sido uma missão mais difícil do que fazer o TCC. Imagine a complexidade disso: uma música para definir a sua história? Todo mundo tem uma playlist, mas reduzi-la a uma só melodia inesquecível é tarefa insana.
Havia um dilema na largada: se eu privilegiaria o momento em que eu vivia ou a minha trajetória inteira desde o nascimento.
Restava uma certeza: seria música brasileira. Naquela época nem cogitei colocar o hino do Inter, porque o Grêmio ganhava tudo e o colorado só assistia. Eu acabaria recebendo o canudo sob vaias do Salão de Atos da UFRGS.
Excluindo o futebol, que é uma das minhas paixões, eu me via indeciso entre Caetano, Chico, Lupicínio, Cartola, Paulinho da Viola… Mergulhava os ouvidos nos meus LPs e não chegava a nenhuma conclusão definitiva.
O desespero aumentava quando os colegas me questionavam nos corredores da Fabico: “Já escolheu a sua música? Passou da hora!”.
Não havia missão mais importante, obsessão mais dolorida, pois eles queriam saber quem eu era, qual o meu credo espiritual, o que fazia a minha cabeça.
Como não podíamos falar no momento da diplomação, com exceção do orador escolhido com antecedência, a música servia para traduzir as nossas inquietações.
Contávamos apenas com o tempo de um breve agradecimento ao microfone, para não tornar a cerimônia longa e maçante aos familiares.
A música ocupava o lugar do nosso discurso, dos nossos ideais; tinha o grande efeito contagiante de dar uma mensagem, de realizar um protesto, de marcar a noite com um hino de insubordinação ou de ovação.
Revelava a nossa alma. Dependendo dela, o público poderia cantar, bater palmas, vir junto.
Não pretendia me formar com uma canção triste, deprimida, que denunciasse a minha solidão de poeta. De difícil, já bastava a vida.
Foi quando recordei que sempre, diante das adversidades, eu me energizava com “O que é, o que é”, de Gonzaguinha.
Eu baixei a minha cabeça para receber o capelo preto do paraninfo Ruy Carlos Ostermann, ficando ao lado da pureza das crianças.
“Eu fico com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita
Viver e não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar, e cantar, e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz.”
Optei bem. Ela me define e me representa até hoje. Não me canso de aprender e recomeçar.