A primeira vez que eu disse "eu te amo" a um amigo foi para o Zé. Por telefone, meio rápido, arrependido. Tinha preconceito com a emoção masculina. Eu supus com alívio que ele não havia escutado, mas respondeu, ao se despedir, que também me amava, pausadamente, dando-me uma lição de virilidade.
É destino do melhor amigo ser chamado por um apelido, trazendo o hábito da infância para a vida adulta. Então, José Arlindo Klein Júnior, que tem o nome do seu pai, já falecido, virou Zé para sempre.
Lembro exatamente como nos conhecemos. Ele foi meu personal trainer. Eu estava recém-separado de uma namorada e decidimos alcunhar o pior aparelho da musculação com o nome dela. Assim eu ganhava um ânimo extra para superar a minha série. Ríamos enquanto ele me orientava com os exercícios. De repente, nem mais treinava, passava na academia somente para filosofar com ele.
Todo dia, religiosamente, nos falamos. Depois da minha esposa e dos filhos, é a pessoa com quem mais converso. Uma hora de reflexões além dos acontecimentos mais banais. Há uma afinidade entre nós, uma facilidade de piada e de comunicação. Não existe o tédio, o cansaço, a fadiga dos metais da voz. Jamais deixamos o telefone tocar impunemente.
Talvez tenhamos dores parecidas, e um apareceu na vida do outro para curar definitivamente o medo da rejeição. Atravessamos a infância e a adolescência nos sentindo estranhos, feios, desajeitados, bichinhos da couve. O sofrimento dele era o meu sofrimento, e eu entendia o que mais o machucava por se tratar da minha ferida.
Ele conversa como quem escreve. Já foi de tudo na vida: professor de tênis, de educação física, empresário, palestrante. Hoje é filósofo, tem podcast e estuda psicanálise. Jamais entra num debate para perder.
Zé me inspirou algumas crônicas, até a melhor, "Todo filho é pai da morte de seu pai", quando me contou que segurou no colo o seu pai adoecido de câncer antes de falecer, aninhou o pai, embalou o pai, entoou uma canção de ninar para ele dormir em paz.
É padrinho de meu casamento com Beatriz, segundo pai de Vicente e de Mariana (a sua filha Amanda o empresta), o nosso motorista nos jogos do Beira-Rio. Eu é que apresentei para ele Carol — intuí que iriam ficar juntos. Costumo almoçar na residência de sua mãe e me sento ao seu lado na mesa, como se fosse seu irmão. E sou seu irmão, o único irmão que ele tem numa família de cinco irmãs.
Nossa confiança é tão grande que ele já teve cópia da chave do meu apartamento, inclusive me salvou quando tomei cerveja oferecida por estranhos num copo batizado com "boa noite, Cinderela". Mal fiquei na festa e, tonto, fui correndo para casa. Ao estranhar a minha ausência de respostas no WhatsApp, ele veio me resgatar e me encontrou desmaiado no chão da cozinha.
Certa vez, ele chegou a pedir desculpa por antecipação, mesmo não tendo feito nada de errado, mesmo não tendo discutido comigo, mesmo sem desavença.
Eu perguntei:
— Por que está se desculpando, cara pálida? Que coisa sem lógica.
Ele me respondeu:
— Preventivamente. Se um dia eu o magoar, jamais quero ficar brigado com você. Já estou me antecipando a qualquer bobagem que possa fazer mais adiante.
É o perdão mais bonito, desobrigado de um acontecimento, de uma falha. O perdão do futuro. O perdão que não é egoísta, que não pensa unicamente em si. Um perdão como garantia de lealdade vitalícia.
Zé está perdoado até o fim de nossas vidas, que nunca será o fim da nossa cumplicidade. É o seu aniversário nesta sexta (14). Nossa amizade fez o fogo que acende as velas — brasa extraída do atrito das pedras e das nossas perdas em comum.