Só agora acabou o século 20. A partida da rainha Elizabeth, aos 96 anos, nesta quinta-feira (8), deu por encerrado o último capítulo que faltava.
Será o maior velório da Inglaterra na Abadia de Westminster, daqui a 10 dias.
Porque tudo o que ela fez foi superlativo. Despede-se a mais extensa enciclopédia da política internacional, a única figura que percorreu os quatro cantos do planeta sem a necessidade de passaporte (como o passaporte britânico é emitido em nome de Sua Majestade, dispensava-se que a rainha possuísse um).
Era a representação da monarquia no mundo, não somente no Reino Unido. Com 70 anos de reinado, foi quem por mais tempo segurou o cetro — ultrapassou os 63 anos e cinco meses da rainha Vitória (de 1837 a 1901). Adquiriu uma feição pop por sempre falar à nação no Natal, a partir do televisionamento pioneiro de 1957, tornando-se uma encarnação das festas natalinas e da passagem de ano.
Desde que tomou posse ainda jovem, aos 25 anos, após a morte do seu pai, rei George VI, segurou a corte com mão firme, expondo o que queria e ocultando o que precisava para manter de pé a aura de família real, de gramática escorreita e trajes de luxo.
Seu carisma não decorria do sorriso fácil e do abano na carruagem, mas da disciplinada e espartana sensatez. Pagou o preço da visibilidade com o sofrimento e renúncia da vida pessoal. Manejou a sua existência para servir, colocando o seu posto acima das suas opiniões e dos seus gostos.
Represou as suas emoções mesmo em momentos de extremo pesar, como na morte de seu marido, o príncipe Philip (duque de Edimburgo), em abril de 2021, em que demonstrou a consternação apenas pelo olhar vazio e perdido, sem derramar uma lágrima na frente das câmeras.
Para manter a sobriedade do Palácio de Buckingham, lutou contra fofocas e tabloides. Não foram poucos os escândalos que contornou: a paixão da princesa Margaret por um homem casado; as infidelidades do príncipe Charles; os divórcios de Charles e Diana, do príncipe Andrew e Sarah Ferguson, e da princesa Anne e Mark Phillips; fotos do príncipe Harry nu; os escândalos sexuais do príncipe Andrew; e, mais recentemente, o exílio dos duques de Sussex, Harry e Meghan, que renunciaram aos deveres reais.
Sua maestria era aprender e se adaptar. Não tinha o monopólio da sabedoria nem pretendia fingir saber o que não tinha conhecimento. Com os 14 primeiros-ministros de sua convivência, de Winston Churchill a Boris Johnson, colecionou enfrentamentos procurando sempre o caminho mais árduo: o do meio.
E até morrendo alcançou mais uma proeza, que todos já julgavam impossível: coroar o seu primogênito. O príncipe de Gales será o rei Charles III, o mais velho a assumir o trono, aos 73 anos.