Eu confio na Polícia Militar. São milhares e milhares de abordagens por dia dentro das regras. É uma profissão insalubre que exige firmeza preservando os direitos do suspeito. Coloca-se a vida em risco porque nunca se prevê o que vem do outro lado, qual será a reação, ou se a pessoa realmente está mal-intencionada. Uma arma escondida é capaz de acabar com bons homens e boas mulheres da farda
É essencial ter atenção refinada, cuidado, cautela, fundar uma postura moderada para combater os extremos da passionalidade e do medo. Até porque os brigadianos jamais serão convocados para situações de tranquilidade. Surgem em cena a partir de uma briga, de um conflito, de um assalto, de uma desordem que precisam resolver com diplomacia em poucos minutos. Pouquíssimos minutos para antever o perigo.
São treinados para duvidar, desconfiar, questionar, usando os instrumentos persuasivos da razão, dispensando a força, para encontrar a verdade e entender a ocorrência. Não podem atalhar com imposição constrangedora – para não cometer injustiças com inocentes e cair nas armadilhas das denúncias vazias.
Sabemos do alto grau de dificuldade da sua atuação e do seu heroísmo anônimo e discreto – sua competência não é vista ou festejada na maior parte das vezes. O silêncio significa que cumpriu a sua tarefa com louvor e de modo integral. Infelizmente, o policial desfruta da vulnerabilidade de um goleiro: só é lembrado quando falha.
Por isso, diante de uma exceção assustadora, a sociedade merece explicação, inclusive para a corporação gaúcha não ter sua reputação manchada por um eventual caso.
Merecemos compreender a morte de Gabriel Marques Cavalheiro, de 18 anos, em São Gabriel, após ter sido colocado dentro de uma viatura. O corpo foi achado em um açude, em Lava Pé, onde teria sido deixado pelos policiais que o abordaram. Restou apenas a sua jaqueta azul para indicar o caminho de uma história confusa, inverossímil e atípica.
Estranhamente, de acordo com GPS, o veículo fez uma parada de quase dois minutos no local, que fica a dois quilômetros do flagrante de Gabriel.
Por que ele foi levado para um descampado pelos três policiais em serviço? Houve uma ruptura do procedimento-padrão com o jovem, que deveria ter sido conduzido à delegacia mais próxima para apurar um chamado do 190 (no qual Gabriel teria sido acusado de tentar invadir a casa de uma vizinha).
Era um adolescente, com o sonho de servir ao Exército, não parecia uma ameaça à integridade física do sargento e dos dois soldados que realizaram a operação.
Carecemos de uma resposta. Ninguém pode morrer sob a proteção do Estado. Nenhum cidadão, ainda que tenha infringido a lei, pode ser desovado nas águas.
Não existe pena de morte no país. E, mesmo se existisse, não aconteceria sem investigação, sem processo, sem julgamento.
O que aconteceu com Gabriel? Dependemos de um esclarecimento.