Querida Cristina Ranzolin,
Seu pai não está mais aqui. Está em você.
Foi migrando para os seus traços, para a sua voz, para o seu carisma. Todo pai, quando morre, descansa no rosto adulto de suas crianças.
Com o tempo, irá perceber que ficará cada vez mais parecida com ele, simplesmente porque deseja ser parecida, tem orgulho de ser parecida, faz questão de ser parecida. A herança genética é obrigatória, o legado é opcional.
Nascemos filhos, mas chega um momento em que decidimos ser filhos.
Mesmo sendo tantos para nós, ouvintes, seu pai soube reservar uma versão dele para você, com os incentivos à carreira, os cafunés, os conselhos, as viagens, os colos aos netos. Fica um pai particular e exclusivo para cada um dos seus dois filhos.
Ele será inesquecível porque segue presente. Mudou a nossa cultura da comunicação com seu “Alô, amigos!”.
Eu sentia uma alegria de viver apenas pela corrente de sua vibração. Ele não narrava, cantava a capela.
Um bordão tão simples, mas com alcance popular incomparável, como quem estivesse atendendo subitamente a um telefonema familiar no microfone, ao vivo, levantando o gancho do infinito para conversar com a nossa alma pelo rádio.
Eu sentia uma alegria de viver apenas pela corrente de sua vibração. Ele não narrava, cantava a capela.
Meus irmãos choraram pelo Mundial do Grêmio ouvindo a sua locução emocionada, eu chorei com o Tri nacional do Inter grudado em seus berros bairristas pelo meu radinho de pilha.
Apesar da sua aposentadoria em 2006, depois da cobertura de seis Copas do Mundo e de mais de 50 anos de profissão, jamais se ausentou da nossa lembrança.
Ainda que tenha perdido gradualmente a memória pelo Alzheimer, não parou nem por um minuto de ser a nossa memória, de habitar as nossas preces.
No jornalismo, não dava notícias, era a própria notícia, acolhendo o contraditório com simpatia, desarmando dissidências, neutralizando a passionalidade das opiniões.
Foi alguém que não deixou um único inimigo, um único desafeto, numa unanimidade inteligente que ele construiu caprichosamente aos poucos, na emissora Diário da Manhã, na Difusora, na Farroupilha, na Guaíba e na Gaúcha.
Formou-se em Direito ao lado de minha mãe, em 1962, tendo Cirne Lima como paraninfo. Ela sempre dizia que não havia homem mais elegante do que seu colega, capaz de ouvir até a respiração das pessoas.
Só não narrou gol de Pelé na Copa do México, mas talvez tenha sido o contrário: Pelé não contou em sua trajetória de Atleta do Século com a narração trepidante de um gol de Armindo Antônio Ranzolin.
Você já reparou que nunca ninguém teve a coragem de abreviar o nome dele?
Vinha inteiro, sonoro, compacto, extenso como o nosso Estado, do tamanho do Rio Grande do Sul: Armindo Antônio Ranzolin.
Alcançou o raro respeito de ser sempre chamado pelo nome e sobrenome, como o rei de nossas transmissões de pensamento, um monarca das coxilhas.
Que o meu abraço em você seja meu abraço nele, atravessado, de coração a coração, com a costura invisível da gratidão.
Meu mais profundo pesar,
Fabrício Carpinejar